Jovem, tens noção de que não há pinheiros desta altura...

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Árvore
do Lat. arbore
(s. f.) - grande vegetal lenhoso, cujos ramos saem a certa altura do tronco...

A Admirável História da Família Landeira

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O Quim Zé era um futeboleiro à moda antiga, daqueles que faziam o que faziam apenas pelo gozo e pelo desporto, não por avultadas somas monetárias. Era capaz de ziguezaguear impressionante, qual enguia com força de cavalo, por entre os defesas contrários e, depois de fintar o redes também, passar a bola para o lado, para outro qualquer marcar o golo, que isso era coisa demasiado aborrecida, golos de baliza aberta... Fui o melhor marcador da Liga Pintelhos à custa dele... Como eu era desajeitado, só podia ir para redes, ou para avançado mamário, o dito moço que está lá na frente, escondido, à espera de uma baliza aberta para marcar. De uma baliza aberta e de mais um passe do Quim Zé, o nosso rei das assistências. Eu era demasiado franzino para ser redes, qualquer um passava um remate por mim, ainda para mais sendo pitosga como um morcego. Tivesse ao menos as asas e o sonar... mas nem isso! Ele não, ele era o ídolo das claques, o creme na bola de berlim que pontapeávamos feitos doidos, sem esquemas tácticos. Um maradona das ruas, como devem ser os maradonas...
Não era, porém, o futebol a única modalidade que o Quim Zé praticava. Ao longo dos anos, sobretudo nos anos finais do liceu, foi desenvolvendo aptidões para o ténis, distribuindo raquetadas de mão cheia nas nalgas das moças, que gritavam sempre ‑ Seu estúpido!, e acabavam a resfolegar uma nalga contra a outra, fazendo-se passar por bojudas fêmeas, à espera que ele aproveitasse a deixa bíblica da outra face. E ele enfiava-lhes com um winning de direita ao longo do glúteo, game, set and match! E elas adoravam, mesmo que assumissem a expressão de vestais violentadas! Mas aquilo de que ele mais gostava era o bilhar de três tabelas, modalidade que praticava em pares mistos nas traseiras do ginásio. Tabela em cada amígdala e taco pelo buraco dentro... alguém lhe disse uma vez que no bilhar às três tabelas não havia buracos, e mesmo que houvesse as bolas é que entravam, mas ele limitou-se a responder ‑ E eu lá tenho culpa de ter a piça à frente dos colhões!!!
Desportista verdadeiro como era, o Quim Zé acabou por não enveredar por uma carreira profissional no mundo da bola, nem da raquete, nem do taco... Acabou mesmo a escavar buracos, mas para os lados do Nilo, em prospecções arqueológicas em busca de sarcófagos [durante todo o liceu, ele dizia que sarcófagos eram os que comiam sargos, ainda estou para perceber como é que lhe deu para ir escavar pró Egipto, para se tornar arqueólogo!, mas o mundo é mesmo assim…], nas famosas escavações do Doutor Aristides Landeira. Aristides Landeira era mesmo ele, não era nenhum velho com 60 anos e barbas brancas a cheirar a mofo de biblioteca! Quim Zé era alcunha, porque logo na apresentação dos alunos no 1º ano do liceu alguém disse, ao ouvir da boca esganiçada do tutor da turma, o professor de Matemática, por sinal, extremo e zeloso tratador de uma palmatória à moda antiga, mais ou menos das mesmas modas do jeito de praticar desporto do – Aristides António da Cunha Landeira! ‑ Eia, que Quim Zé! – vociferou, o mais grotescamente possível, o Tó, profissional do gozo, hoje artista de stand-up comedy na Igreja da Paróquia, com direito a manejar os sacramentos e tudo, o safardana do padreco! Ficou Quim Zé, pois claro... [estas historietas de alcunhas e assim soam sempre ao mesmo, mas é exactamente assim que se passam, por isso nunca soam a falso, apenas ao mesmo...]
Adiante, o Quim Zé, o Doutor Aristides Landeira, insigne arqueólogo nacional, conhecido internacionalmente pelos seus estudos sobre as civilizações pré-clássicas, em particular as dos grandes rios do Crescente Fértil [coisa admirável, ler os jornais... aprende-se coisa nenhuma, mas ganham-se excelentes expressões para usar a encher chourições de parágrafos]. Estava em busca do túmulo de um tal de faraó Pá-Txóli ou cousa que o valha. Isso de nomes nunca foi o meu forte. Infelizmente, o período de escavar estava mesmo a terminar, e em breve teriam que tapar tudo, para voltar apenas no ano seguinte, e de faraó nem sinal. Por um lance de sorte, acabaram por descobrir o tal túmulo a três dias do fecho do circo. Uma oportunidade única para entrar no mundo desse faraó esquecido no meio da magnificiência do Ramsés II, da loucura do Akhenaton, da misteriosa morte do Tuthankamon... pelo menos de entrar no túmulo, depois de limpa a entrada. Parece que foi preciso usar máscaras, que lá dentro cheirava a gás podre, e queijo com bolor, como as farpolas do Escape Remus, o tipo mais seboso e olfactivo da nossa turma, incapaz de passar uma aula de Educação Física sem deixar escapar uma granada de mostarda que nos punha sempre todos a chorar e a dar-lhe pontapés! O que, como provámos empiricamente ao longo de várias experiências não premeditadas, era pior, muito pior, porque abanava o barril gasoso do bucha e então era o caos! O caos, as faltas disciplinares e o banho de água fria como castigo!
Ao entrar, parece que não havia nada de especial dentro do espaço tumular, uma ou outra peça de mobiliário, mas tudo em materiais corriqueiros, que as coisas de oiro e pedras preciosas tinham já sido alvo da rapina de vorazes salteadores, e estariam provavelmente num museu europeu ou americano, público ou privado. Apesar disso, era uma coisa digna de se ver, pois, ao passar a mão pelas paredes logo se percebeu que estavam cobertas de pó, pó esse que cobria magníficas pinturas e escritos quase intactos... O secretário particular do Quim Zé, um escriba dos tempos modernos, coisa bem apropriada para o momento, anotou no seu agora famoso caderno as primeiras palavras que o Doutor leu directamente das paredes... – Esqueci-me das meias, pá! – Mas, doutor Landeira, que importância tem isso? Não está frio aqui dentro, e além do mais, as meias com a areia traçam a pele toda! – Mas tu estás parvo, ou fazes-te, boi? Isso é o que está aqui escrito!
Obviamente, o anónimo escriba riu-se do dito, ao que se seguiu uma das tradicionais chapadas à Quim Zé! – Estás a rir-te? Estou a dizer, está aqui escrito: Esqueci-me das meias, pá! Perante o olhar atónito do seu escravo pessoal, Aristides António da Cunha Landeira, ilustre arqueólogo luso, revelou assim ao mundo uma fabulosa descoberta: "No reinado do grande filho do deus Ámon, Txóli-Men-Ré, ao passar as colunas do templo dos mares quentes, para entrar no grande mar das águas gélidas, os aventureiros comerciantes da cidade do Sol chegaram a uma terra de homens barbudos apenas entre os narizes e as bocas, que bebiam cerveja e comiam pequenas sementes amarelas e arredondadas a que chamavam tré-moços, que lhes ensinaram a sagrada palavra Pá! E assim, no 7º ano do seu reinado, Txóli-Men-Ré mudou seu nome para Pá-Txóli, e obrigou que todas as frases que saíssem do coração dos homens pelas suas bocas haviam de terminar com essa palavra!..." Era este o início de um longo texto épico, em que se provava que não só os egípcios tinham andado por terras tão distantes como a Escandinávia, como, sobretudo, tinham passado pelo local que hoje é Portugal, onde aprenderam esse vocábulo já então tão na moda, o Pá!
O Doutor Aristides Landeira prosseguiu as suas escavações à procura de outros túmulos da época desse faraó, tentando encontrar provas inequívocas do processo de génese de tal palavra... E continua a jogar futebol aos domingos à tarde, a jogar ténis de manhã e a dar umas tacadas, mesmo atrás das pirâmides!

Carcanhol Z

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