Da fauna tuga... #2

Um pouco por toda a parte, jovens rapazes portugueses passeiam-se exibindo penteados de estilo moderno, se bem que copiados de outras décadas, nomeadamente dos anos 80 do século XX, quase todos eles com uma linha condutora: cortes assimétricos, pedaços de floresta capilar em dimensões apreciáveis, a ponto muitas vezes de tapar orelhas, olhos, cobrir pescoços e por aí além, uma certa anarquia mais ou menos organizada na disposição de elementos pilosos.
Tais penteados são obra, mormente, de funcionários dos cada vez mais populares cabeleireiros unissexo, locais onde convivem nas cadeiras do corte mulheres e homens, onde estilistas do cabelo molham e cortam em apenas meia dúzia de tesouradas o que acham que devem cortar, onde há vez marcada por telefone para ser atendido e outras modernidades...
Entretanto, perdidos em ruas cada vez menos movimentadas dos outrora centros de azáfama constante da urbanidade, ou encalhados em edifícios recônditos de um pedaço bairrista da cidade, sobrevivem, moribundos, os barbeiros e cabeleireiros só de homens! Com as suas batas azuis e verdes, maioritariamente, raramente brancas, de apertar atrás ou de lado, nunca feitas para serem bonitas, apenas práticas, cheias de réstias de uma outrora farta cabeleira tosquiada em lances de tesoura sucessivos, com pentes e tesouras a sair dos bolsos como que à espreita da clientela...
Esses homens que, na sua quase totalidade, usam óculos, que sacodem as mãos nas batas antes de cada cliente, que conversam sobre a bola ou política, com a capacidade sempre renovada de insultar sempre tudo e todos, ao mesmo tempo que adequam seus discursos aos ouvidos dos clientes que passam pelas cadeiras que sacodem no fim de cada serviço com um pano ou uma toalha, viram a almofada e está pronto para outro cliente, ora vamos lá, e o próximo é o que chegou a seguir, não há cá marcações, esses homens que vêm à porta reclamar com a canalhada que decide vir para a rua jogar à bola e se arrisca a partir-lhes um vidro da montra, esses homens que lavam cabelos em cadeiras meio arcaicas, que cortam em trinar constante, sem cessar, três tesouradas em pleno ar, uma na guedelha, que secam com secadores manuais que queimam o couro cabeludo se estiverem muito tempo a insistir no mesmo sítio, esses homens que amolam as navalhas antes de as fazerem passar cientificamente sobre a pele, esses homens que ainda vendem produtos para o cabelo como o mítico Restaurador Olex, esses homens que ainda colocam calendários nas paredes como decoração, esses homens que têm tudo numa confusão e revistas de 15 anos para quem quiser ler, esses homens que não levam couro e cabelo por cortar este sem ferir aquele e que são verdadeiramente artistas, pois sabem cortar um cabelo de forma simétrica, adequar o penteado ao cliente, meticulosamente aparando aqui e ali, que conseguem cortar o cabelo mesmo, não apenas dar-lhe duas naifadas mais ou menos aleatórias!
Sente-se já a saudade que virá quando daqui a uns anos não houver homens desses a manejar as tesouras e pentes e a dizer: Então vai ser barba e cabelo ou só barba?

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