Da fauna tuga... #3

O comportamento médio dos portugueses (e quando digo “comportamento médio dos portugueses” não me quero referir, de maneira alguma, pervertida ou completamente mirabolante de associações mentais, ao tamanho médio dos órgãos sexuais masculinos, valor que saiu há algum tempo num estudo – pago por quem?, pergunto eu – científico, pois tal não tem absolutamente nada a ver com o que se trata aqui) é repetidamente elogiado por toda a gente, não só pelos próprios portugueses, até porque auto-elogios nunca valem tanto, por causa de uma certa visão tendenciosa que parece afectar o ser humano, mas também pelos estrangeiros. É ver os elogios ingleses à nossa cerveja, os elogios uefeiros à organização do Euro2004, os elogios constantes da UE ao comportamento da nossa economia e das nossas finanças. Dá prazer ver como eles gostam tanto do nosso crescimento abaixo de 1%, do nosso défice acima de 4%, tanto que até nos poupam umas multitas e convidam um tuga para Presidente da Comissão Europeia. Se isto não é amor, não sei que seja.
O que nos faz escrever estas carambolas de palavreado, porém, não são esses comportamentos referidos, mas o comportamento dos portugueses na estrada. Também aí somos claramente líderes em toda a linha, desde logo nos índices fantásticos de sinistralidade, de alcoolemia, de velocidade excessiva e manobras perigosas. Quais fittipaldis munidos de automóveis carcomidos, é ver os tugas a ziguezaguear nas faixas das auto-routes, acelerando quase ao dobro da velocidade permitida, tudo embebido em 1,1 grama de álcoois por litro de corrente sanguínea, proporcionando muitas vezes espectaculares acidentes com que se satisfaz a curiosidade mórbida dos outros condutores e demais utilizadores das rodovias lusas.
Não vamos, no entanto, enaltecer ainda mais esses nossos heróis, ases dos volantes; vamos, isso sim, apontar o dedo acusador a uns espécimes que, infelizmente, ainda por aí abundam, maltratando o nome do português no que às coisas das estradas diz respeito. Refiro-me, obviamente, aos peões. Num país que se quer unido, unitário, unívoco, unissexo, unietc., causa até espanto, diríamos mesmo um certo nojo, que haja ainda quem se recuse a conduzir um automóvel, ou pelo menos um motociclo, não ponhamos de parte esses veículos, preferindo gastar a sola dos sapatos em caminhadas. Meu deus, quanto dinheiro tão mal gasto em meias-solas ou solas inteiras, por teimosia e estupidez, quando poderia estar a ser utilizado para alimentar a economia da borracha, dos pneumáticos, das gasolineiras! Uma tristeza profunda nos arrasa ao lembrar, sequer, este facto… Porém, e apesar das tentativas honestas e bem intencionadas da indústria automóvel para promover o recurso aos veículos motorizados assentes em rodas, o trânsito pedonal persiste, assolando o país com seus defeitos, contribuindo, sem dúvida, para que o nosso atraso em relação a outros países se mantenha, impedindo que a marcha do progresso continue como deve, com quinta engatada e com rotação elevada.
Falemos, então, de alguns desses seres vis, esses furúnculos na virilha do passo em frente. Primeiramente, os peões que, por alguma ideia peregrina, decidem fazer o seu percurso pela faixa de rodagem, ao invés de pelos passeios que lhes são destinados (que, quanto a nós, são já um desperdício de recursos, pois assim se fariam vias mais largas, mas a haver peões que tenham ao menos um local próprio para que não venham incomodar quem acelera.) Contam-se entre esta categoria mormente idosos, grávidas e lactentes, trôpegos e deficientes, tudo gente de escassos recursos de mobilidade, não poucas vezes munida de apetrechos tais como canadianas e muletas, carrinhos de bebé e daqueles de ir às compras, andarilhos e cadeiras de rodas. Obviamente, somando a pouca disponibilidade para se moverem à dimensão física desses extras, acabam por ocupar uma larga faixa do espaço destinado aos automóveis, o que leva estes a travagens e reduções, quantas vezes paragens, desvios e manobras que enfadam quem gosta de conduzir nos circuitos citadinos um pouco por toda a parte construídos. É que, no caso de embate, deita-se as culpas não para cima dos facínoras dos ladrões de alcatrão, mas para cima dos pobres automobilistas, eles que já se viram privados do seu devido espaço e que ainda têm de arcar com as penas que, por direito e justiça, pertenceriam a outros. E, se perguntarem a qualquer um desses tratantes por que razão usa a via de rodagem (de rodas, note-se!) em vez do passeio, ainda terá a desfaçatez de dizer que os passeios são desnivelados, que são estreitos, que têm buracos, que estão pejados de cocós caninos, que assim segue mais a direito sem estar sempre a subir e a descer conforme vai passando nas intersecções. Claro que os passeios são assim, queriam que fossem as ruas a estar esburacadas, não?! Sujeitas a danificar os pneus, as suspensões, as direcções… A não ser que um peão possa, de algum modo, sofrer esse tipo de dano, então é normal que assim seja. Irritantes essas pessoas, irritantes e perigosas, já se vê! (ao ponto de o poder político lhes ceder, inclusive, ruas inteiras…)
Igualmente irritantes são aqueles peões que decidem parar defronte a uma travessia que lhes seja destinada, mas que não avançam. Ao invés, ficam ali, especados, à espera, minutos e minutos, só para terem o prazer de obrigar um condutor a deter o seu veículo, e, então sim, atravessarem para o outro lado, no ritmo mais lento que conseguirem impor aos membros inferiores. Então se for uma daquelas situações com sinais luminosos, mais se alegram suas carantonhas, ao ver que conseguiram fazer com que os outros esperem não só o tempo que eles demoram a atravessar, mas ainda mais o que demora até virar novamente para verde. Ou aqueloutros que, tendo ao lado uma paragem de autocarro, se deixam ficar, com uma cara de quem espera vez para atravessar, em frente à passadeira, até que alguém pára e eles, nesse momento que irrita sobremaneira, viram costas à rua, ou fingem-se de parvos como se não estivessem a perceber a situação. Ou aqueloutros ainda que se põem a conversar ao lado das passadeiras, sem se perceber muito bem se vão atravessá-la enquanto falam, se vão falar até atravessar. Porque nestes reside também uma fonte de grande perigo. Na sua inconstância mental, muitas vezes decidem parar as conversas repentinamente e, sem mais, lançarem-se para cima do zebrado, pensando que o mero facto de estarem ali perto lhes dá direito de obrigar alguém a uma travagem brusca. São como aqueles peões que, de cu para a estrada, de repente se viram e a atravessam, sem sequer olhar para lado nenhum. Ou como aqueles que se lembram de atravessar em qualquer lado, mesmo sem riscas brancas nem nada, porque sim, escudados na protecção do peão consignada na lei, olvidando, ou fazendo por olvidar, que a lei também obriga o recurso à passadeira caso haja alguma minimamente perto; com os escassos neurónios a gritar – A vida do peão é sagrada!, mas esquecendo que a velocidade também! Raios para eles! Havia de ser obrigatório esperar que os carros passassem e só depois atravessar; ou então que todas as travessias fossem desniveladas, por cima ou por baixo da estrada, isso já é indiferente.
Há, por fim, os peões que se lembram de deixar de o ser. Convém, no entanto, diferenciar entre dois tipos de gente desta. Há os peões que decidem aprender a conduzir automóveis, e isso torna-os louváveis, mas, simultaneamente, coloca-os nas mãos desses monstros que são os instrutores de condução. Alguém diga a esses fulanos para ensinar aos alunos a função do pedal da direita, ou a ideia de haver cinco velocidades (ou mais) e outras coisas afins. Como eles não os deixam conduzir acima de 30/40 km/h, nem engatar a 4.ª, quanto mais a 5.ª, originam demoníacos condicionamentos ao normal desenrolar do tráfego, provocando crises de stress nos pobres coitados que atrás deles seguem, e a subsequente sinfonia de buzinadelas e linhas contínuas transpostas. Ver à distância um automóvel ataviado com uma placa azul de fundo e com a letra L a branco é chatice pela certa, sobretudo se não houver forma de atalhar caminho por outro itinerário. Gente que já tem carta de condução deveria respeitar os outros. Há, depois, os que, decidindo deixar o pedonato, optam não por comprar um automóvel a sério, mas um daqueles veículos risíveis para os quais é apenas necessário possuir carta de ciclomotores. Vamos lá ver as coisas em modos de ver… Se é para comprar um ciclomotor, que seja uma Famel Zundapp, uma Casal, ou outra qualquer marca, mas uma coisa que, não primando pela velocidade, também não obsta a que se ultrapasse facilmente. Se é para comprar um quadriciclo, então que se compre um automóvel a sério para poder andar a sério, não uma coisa para atafulhar as estradas de lentidão. Claro que há quem, possuindo um veículo categoria B, ande na estrada como se fosse num desses quadricicloquaisquercoisas, mas esses são, na realidade, condutores com alma de peão, gente a extinguir o mais breve possível.
Terminamos com um apelo, uma chamada à consciência de todos, para que deixem esses vícios bípedes e se rendam ao verdadeiro espírito moderno da aceleração e da guinada abrupta. Tout avant, mes amis, tout avant!!!

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