Eu estou certo 99,9% das vezes, e vivo mergulhado em dúvidas...


A propriedade intelectual dos detalhes é algo que está longe de reunir consenso geral, tornou-se mesmo motivo de árduas discussões por essas praças públicas fora, incluindo no largo e opinativo fórum, embora sem mármores nem ar aberto como os dos romanos, que é o mundo cibernético. Não só a propriedade intelectual dos detalhes como a propriedade intelectual da atribuição aforística da propriedade intelectual dos detalhes… Já não é apenas a questão de ser deus ou o diabo o responsável pelo polimento e acabamento da empreitada a que chamamos universo, é também saber se foi beltrano ou sicrano o primeiro a dizer que d+ ou d- está nos detalhes… Não há motivo para tanto alarido, quer-me parecer. Há detalhes que chegam e sobram, para os dois e ainda para mais uns quantos farsolas que queiram vir reclamar direitos de autor. E há já tanto tempo que se diz que Deus está nos detalhes, que O Diabo está nos detalhes, que já nem interessa se foi um francês ou um alemão ou um grego ou um zimbabw... zimbabia... zairense a dizer isso pela primeira vez, se é um aforismo de origem latina ou anglo-saxónica, se leva reticências ou ponto de exclamação. É uma frase feita e assumida pelo povo comum como uma verdade universal a usar conforme dê jeito numa das suas variantes, como qualquer verdade universal deve ser, moldável, flexível, adaptável à situação.
Porque, no fundo, tudo depende do detalhe que estamos a abordar, e da forma como ele se adequa à imagem criada da entidade presumivelmente responsável. A imagem mental que as pessoas costumam ter de deus é a de um tipo porreiraço, que até nos deu um planeta para esfodaçar e tudo, com muitas coisas para aproveitarmos, um ecologista que criou um espaço verde post-mortem para quem se portar bem em vida, um gajo à maneira, portanto. Quer dizer, os judeus nem por isso, eles era mais muralhas a cair, e pragas para a frente, pragas para trás, até o outro mundo que eles antevêem é uma coisa deprimente. Por outro lado, o diabo é um filho da puta sempre pronto a estragar tudo, que vive num sítio abafado, escuro e quente como tudo, mais ou menos como uma daquelas minas na Rússia onde de vez em quando morrem não sei quantos gajos, apenas que o inferno tem mais oxigénio e mais luz. E as pessoas já estão mortas. Claro. E claro que para os clássicos europeus isso não interessava nada, porque não havia cá deus e diabo, havia deuses, nem bons nem maus, deuses, porra! E outros também vêem mais ou menos assim as coisas, mas pronto, a ideia é esta… D+ e D-…
Agora pensemos…
O universo. Coisa bonita. E Grande! Muito! Bem, temos de ver que, por muito perfeccionista que fosse, deus também é um tipo ocupado, com uma agenda muito completa, cheia de afazeres inadiáveis. Ora, criar todo este universo e ainda ter cuidado com todos os pormenores, não dá! O nível de definição do universo é brutal, tanto que nem o Hubble o consegue abarcar todo, por muitos upgrades que lhe façam. Ora, é óbvio que houve coisas que lhe escaparam. Por exemplo, a Terra. É muito bonito o sistema de renovação da crosta, todo o sistema de tectónicas e mais não sei quê. É bonito haver ouro e prata e platina e urânio e coisas assim. E deus teve o cuidado de criar todas essas coisas que estão na tabela periódica (fora as sintéticas), sabendo de antemão que o pessoal curte ter de marrar quadros e esquemas nas aulas de química. Por outro lado… porquê petróleo na península arábica, se aquilo é só deserto? Água, aquela gente precisava era de água, faz favor!!! E chuva a rodos no Bangladesh, onde eles nem têm um puto de um delta de um rio puto de grande nem nada!!! A esses é que dava jeitinho petróleo, se pudesse ser, a ver se saíam da miséria.
A vida. Coisa maravilhosa. Especial. Coordenada. Os seres vivos que pululam neste planeta, e em mais não sabemos quantos, máquinas orgânicas perfeitamente adequadas a determinadas formas de viver, desempenham tacitamente funções de sobrevivência. Lindo! Repare-se, deus até se deu ao luxo de criar vida em terra, céu e água, no petróleo nem por isso, para que todo planeta estivesse habitado, criou diferentes tamanhos e feitios, criou uns em maior número, para que servissem de alimento aos que eram menos, numa escala que se costuma chamar de hierarquia alimentar, e por aí fora! Lindo! E depois surge o pepino do mar! Porquê? Uma espécie de animal que tem apenas um, UM, orifício, através do qual cumpre duas, DUAS, necessidades de sobrevivência absolutamente díspares. Respira e expele dejectos! Pelo mesmo orifício!!! E se o moço se engasga a respirar enquanto expele? Tipo acontece com a saliva às vezes quando queremos respirar e falar ao mesmo tempo? Merda para os pulmões! Altamente! E é que nem para picles serve!
O ser humano. A mais sublime criação de deus. Uma coisa que deve ter feito o próprio exclamar Está aqui um serviço que sim, senhor! O mecanismo da fala, coisa impressionante, como não sei quantos músculos se movem de forma articulada e coordenada com a respiração para permitir emitir sons, mais a capacidade da mente humana em atribuir significados a determinados sons e mais isso tudo! Por outro lado, literalmente, um erro evidente de organização do espaço, tal como muitos já apontaram! Como é que a zona de lazer e a zona de escoamento de resíduos puderam ficar tão pertinho? Sobretudo nas mulheres. A propósito… Desenganem-se: 1) os materialistas que pensavam que a primeira fala articulada de um ser humano havia sido ‘Bora lá fazer bifaces?; 2) os revolucionários que pensavam que a primeira fala articulada de um ser humano havia sido As classes detentoras de capital têm apenas como objectivo escravizar a humanidade proletária!; 3) os românticos que pensavam que a primeira fala articulada de um ser humano havia sido Amo-te!; 4) todos os outros que pensavam que a primeira fala articulada de um ser humano havia sido outra qualquer. A primeira fala articulada de um homem, e a segunda!, foram, indubitavelmente, Olha outro buraco! Deixa experimentar! Ao que se seguiram as primeiras falas articuladas de uma mulher Seu estúpido! Estás parvinho ou quê?
Parece-me bastante óbvio a forma como se processou tudo isto. Da mesma maneira que os erros nos detalhes têm causas evidentes.
Deus, acabadinho de criar o petróleo e a água, reparou que tinha marcado um jantar de negócios em Cassiopeia, pelo que tinha de se pôr a andar. Toca a pedir ao secretário, o diabo, Olha, pega aí essas peças que acabei de fazer e monta-as naquele planeta, a Terra. O rapaz, um pouco contrafeito, até porque tinha marcado ir ver a bola com os amigos, lá despachou as coisas às três pancadas, só para dizer que não tinha feito o que lhe disseram.
Deus, ao acabar a hora de expediente de criação, sai para jogar o seu squash. O diabo, ao encontrar peças ainda a sair da máquina, decide colocá-las nos respectivos locais, conforme a indicação nas etiquetas: falcão, céus; elefante, terra; pepino do mar, água… não reparando que esta última peça vem com defeito e que lhe faltam buracos.
Deus, ao acabar de criar o homem e a mulher, pensa que talvez seja melhor tirar um diazito de folga. Ao diabo ficou o encargo de acabar de montar todos os mecanismos da forma mais compacta possível…
Eu acho piada ao pensamento de que, nisto da criação, e dos seus detalhes, deus é o artífice das peças de puzzles, e o diabo, o empregado distraído que as montou, às vezes, da forma errada, e de que talvez a evolução não passe de rearranjos no puzzle final do universo.
No fundo, o diabo é mais ou menos como eu, que acabo por ter o azar de falhar 0,1% das vezes.
Claro, não que eu acredite em deus e no diabo que me carreguem. Quer-me parecer, sobretudo, é que esta coisa toda dos detalhes serem deste ou daquele é desculpa de mau pagador. Gente que fez merda e bota as culpas para os outros. Cá para mim, o tipo que se saiu com esta a primeira vez era tuga… Cheira-me…

0 pomaditas :: Eu estou certo 99,9% das vezes, e vivo mergulhado em dúvidas...