Breves nótulas sobre uma verborreia insone #2

(palavras incoerentes escritas a cor azul no verso de uma folha em branco)

A beleza impede nos de ver os verdadeiros monstros? – foi este, ipsis verbis, e mesmo sem hífen, como é próprio da sua escrita, o mote que, há não sei quanto tempo, Abelardo Ferdinando Vergílio Landeira nos desafiou a glosar, no seu opúsculo: Aforismos e Interrogações para poesias e textos em linha recta. Fê-lo como quem atira uma pedra para o ar e se esquece de ver onde cai, se num deserto sem vida, se num lago onde origina forte ondulação... Não caiu em deserto desabitado, mas também não originou ondas, ficou-se pelo intermédio pedido de esclarecimentos, em epístola reverente. Fizemo-lo e não obtivemos resposta alguma. Por isso, avançamos agora para o tema então proposto, expondo e analisando-o a partir dessas premissas lançadas e de outras que foram entretanto surgindo.
As interrogações então colocadas foram: Que beleza estamos a tratar aqui? e Que espécie de monstros? Para seguir por este trilho teórico, urge colocar outras duas questões logo à partida: O que é a beleza? e O que é a monstruosidade? Beleza e monstruosidade não são senão conceitos valorativos, conceitos que utilizamos para emitir juízos de valor, por isso, não são coisas, factos palpáveis, não são mensuráveis, nem objectivos, nem reais! Cada pessoa tem, para si mesma, uma escala de valores, onde esses estão incluídos, pelo que o belo para A pode não o ser para B e vice-versa. Assim sendo, a beleza e a monstruosidade não existem, senão numa escala relativa, nunca de modo absoluto. E mais ainda, elas não existem nas pessoas julgadas, mas apenas nos seus juízes!
Seguidamente, enquanto conceitos relativos, é também importante questionar em que situações são aplicáveis, ou seja, o que podemos considerar como sendo belo e/ou monstruoso! As pessoas, os edifícios, as paisagens, um pôr-do-sol? Tudo isso, sem dúvida. No entanto, no que toca aos humanos, a questão é bem mais complexa, pois tanto nos podemos referir à beleza/monstruosidade exterior como à interior, ao físico e aparente, como ao psicológico e oculto. A questão mais importante é, porém, saber o que tem mais significado... mas vamos com calma.
Perguntamos, de seguida, se estaríamos a falar de alguém simultaneamente belo e monstruoso ou, diferentemente, de dois diversos em que um belo ofusca o monstruoso. Comecemos pela segunda hipótese. De que modo podem duas pessoas, presumindo que o mote tratava de pessoas, criar um tal jogo de eclipses, ofuscando-se uma à outra? Será que qualquer um tenta, por iniciativa própria, tapar o outro aos olhos de um terceiro? Ou não será isso apenas mais uma questão de relatividade, em que A vê B como belo e C como monstruoso, mas em que D vê exactamente o inverso? E, mesmo assim, quer A quer D vêem ambos a B e a C. Haverá algum X que verdadeiramente esqueça ou a B ou a C apenas devido à presença do outro?
Mais complexo ainda é o caso em que A olha para B e este contém em si mesmo os sintomas da beleza e da monstruosidade. Assim, podemos ter que B seja belo fisicamente, mas monstruoso em termos de carácter (caso 1); ou então que B seja belo interiormente, mas monstruoso visualmente (caso 2). A questão é: Será que A, ao aperceber-se da beleza, se esquece do restante? Ou nem sequer nele repara? E sendo assim, fá-lo igualmente nos dois casos? Porque, e aqui reside o verdadeiro ponto fulcral de toda a problemática, a importância que A dá ao físico e ao psicológico é que determina a sua posição! Se A dá primazia ao físico, então pode não ligar por aí além à monstruosidade no caso 1, nem à beleza no caso 2; se, ao inverso, valoriza mais o interior, então a beleza do caso 1 não lhe causa grande comoção, o mesmo se passando com a monstruosidade do caso 2! Mas será alguém capaz de não ver ambos os pratos da balança? Não o sabemos, não sabemos se andará por aí esse X...
A beleza impede nos de ver os verdadeiros monstros? perguntou Abelardo Ferdinando Vergílio Landeira. O que pretendemos nós ver ao olhar o mundo e as pessoas nele?, pergunto eu!

FIM
(também sem grandes conclusões)

0 pomaditas :: Breves nótulas sobre uma verborreia insone #2