O Pasquim Infame investiga #3

Depois de Sintra, Silves, Almada ou Seixal, é agora a vez dos moradores de Landeiró de Baixo protestarem contra o traçado das linhas de muito alta tensão, que passam mesmo pelo centro desta pequena vila de 57 habitantes.
Tenho comigo Teotónio Narsélio Soromenho, líder deste protesto, autor da petição enviada à REN, ao Presidente da República, à Assembleia da República, ao Governo, e, ao que julgo saber, ao Grupo Recreativo, Cultural e Desportivo de Oliveira de Frades.
- Antes de mais, senhor Teotónio, permita-me dizer que tem, provavelmente, o nome mais parvo que já ouvi na minha vida, sendo que eu próprio assino Anastásio Landeira, pelo que autoridade moral para lho dizer não me falta!
- Muito obrigado!
- Diria mesmo que mais parece que os seus pais o detestavam, e, por isso, decidiram dar-lhe um nome absolutamente risível!
- É muito gentil!
- Agora que já esclarecemos este ponto, vamos então à entrevista. Senhor Teotónio, porquê esta petição, e porquê agora?
- Posso falar?
- Pode.
- Posso?
- Já disse que pode!
- Pois, então, queria agradecer aos senhores do Pasquim Infame esta oportunidade para divulgar as razões do nosso protesto, e queria, para responder às suas perguntas, afirmar que sim.
- Como disse?
- Disse sim.
- Portanto a razão para este protesto e neste momento, é sim.
- É sim, sim, senhor!
- Pois... hmmm... e não haverá mais nada que nos possa dizer, por exemplo: perturbam-vos os níveis de radiação emitida pelas linhas de muito alta tensão que passam aqui mesmo por cima das vossas casas?
- Não! Isso para nós não é problema nenhum!
- Não? E não acha isso estranho, pois se até agora todos os movimentos populares apontam essa questão como centro das suas argumentações.
- Nã... Nós, a radiações, estamos habituados. Olhe, ainda no outro dia o reactor nuclear da tia Rondina sobreaqueceu e estoirou! Foi para aí uma fumarada verde que não se via nada durante umas semanas! É normal, é normal.
- Um reactor nuclear?!
- Sim, aqui em Landeiró de Baixo cada casa tem um reactor privado, por causa da electricidade, sabe, que vai muitas vezes abaixo, porque os ratos gigantes roem os cabos dentro da central, e é um sarilho. Ainda no outro dia apanhei lá três, que foi o meu jantar.
- Ratos gigantes?!
- Sim, assim, vá lá, do tamanho de um leitão acabadinho de nascer, uns 15 quilitos, pronto.
- 15?...
- Mas como eu ia a dizer, é uma chatice a electricidade ir abaixo, que a gente quer ver o Preço Certo em Aéreos e depois não pode não é? É chato! Ah, e aqui que ninguém nos oiça, parece que eles lá em Landeiró de Cima só têm um reactor para toda a vila. E eles lá são bem mais que nós... ora... morreu anteontem o senhor Zardilaque da mercearia por causa dos tumores, uma coisa feia, rapaz!, portanto, devem ser uns 72, neste momento. E são uns somíticos, está a ver? Um reactor para essa gente toda! Eu até me admiro se eles chegarem até à Roda Final.
- E... portanto, não têm problemas com as mutações genéticas?
- Olhe, calha bem falar nisso. Ó Léééééécio! LÉCIO! É meu sobrinho, sabe? Olhe, lá vem ele.
- Mas, mas... o seu sobrinho tem, tem...
- Olhe-me que beleza de moço! Olhe-me estes quatro braços! Ele, com estes braços todos, cava que é uma coisa linda! Na altura de semear as batatas ganha rios de dinheiro nestas redondezas! Diz lá adeus aos senhores jornalistas.
- Brglloinksmmm. Ug... ug.
- Pronto, pronto. Vai ter com a mãe para ela limpar a baba. Fica muito nervoso com gente estranha, sabe.
- Ok, portanto, o senhor não se preocupa com as radiações e com os seus efeitos... Afinal, o que o preocupa nestas linhas?
- Bem, não será bem preocupar, é outra coisa menos forte.
- Desassossegar?
- Não, menos ainda.
- Incomodar?
- Isso! É mais um incómodo.
- E que incómodo seria esse?...
- Olhe, o problema é que estas linhas me afectam o sono.
- O sono?
- Sim, o sono. Não consigo dormir tranquilo.
- Não consegue dormir tranquilo?
- Não. Passo as noites todas acordado.
- Passa as noites todas acordado?
- Oiça, não está a ouvir assim um eco estranho?
- Eco estranho?
- Sim.
- Não.
- Deve ser daquela gosma acastanhada que tenho sempre nos ouvidos.
- Gosma nos ouvidos?
- Sim, não se preocupe, que isto passa já.
- Portanto, o senhor não se preocupa com as linhas, com as radiações, mas mesmo assim não consegue pregar olho. Não estou a perceber.
- Pois, o problema é que as linhas não me deixam mesmo dormir. São umas chatas, sempre a falar, sempre a falar!
- Falar?!
- Sim, falar, a noite toda! Eu tenho um sono muito levezinho, sabe, e então basta uma começar e pronto, lá se foi a noite de descanso. Sempre zum, zum, zum! Zum, zum, zum...
- Portanto, o que o levou a enviar esta petição de protesto foi o barulho que as linhas fazem?
- Barulho? Aquilo é uma algazarra! Ainda ontem passaram a noite a discutir se o golo do Hurst em 66 entrou ou não! Uma confusão pegada! E em dias de orvalho? Ou de vento forte?! Vvvvvvvvvvvvvvvvvv! Vvvvvvvv! A noite toda nisto!
- Pois percebo. E, enfim, o nosso tempo acabou...
- Queria só dizer mais uma coisa. Posso?
- Pode.
- Posso?
- Já disse que posso, homem!
- Calma! Até parece que é um cabo de fibra óptica, ou o camandro, sempre nervoso! São uns sacaninhas nervosos, esses gajos.
- A sério, despache-se lá!
- Pronto, só queria pedir que ao mudarem a linha a pusessem a passar em Landeiró do Meio, que me esqueci de pedir isso na petição. Esses gajos nem reactor nuclear têm! Avarentos de uma figa!
- Pronto, pronto, acabou o nosso tempo. Foi a entrevista... possível... com o senhor Teotónio Narsélio Soromenho, aqui, em Landeiró de Baixo.
- Chau!
- Muito obrigado. Obrigado.


- Já agora, Oliveira de Frades porquê?
- É bonito.
- Ah, está bem!

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