Tiquetaquear

De que massa é feita esta parvoíce a que chamam horas, esta imensidão de nada a que, dizem, correspondem medidas exactas de tempo...
Não há medidas para o tempo, apenas subterfúgios de uma pressuposta inteligência que o fazem equivaler a pedaços de coisas que podem acontecer. Medir o tempo em velas que demoram a queimar, em grãos de areia que demoram a cair, em parcelas de momentos em que a luz atravessa fugidia o espaço das coisas. Não há minutos, há a suposição deles! O minuto não é tempo, é espaço percorrido em certa quantidade de momentos, é a distância entre dois tracinhos na circunferência arrastada do relógio percorrida num tique ou num taque de um pedacinho de metal. O minuto pode ser o prolongamento interminável de uma tortura, a agonia de querer adormecer e a almofada lutar feroz contra a sonolência, mas também a fugacidade de um arrepio na espinha, a sensação inebriante de um olhar ou de um beijo. E, no fim de tudo, o minuto não passou de nada...
O Homem lembrou-se, algures na memória que já não tem, de esquartejar os dias da sua vida em secções cada vez menores, de conceber um sistema para medir algo que não existe, como tentar medir a coragem que sempre lhe falta quando é necessário contrariar os seus mais básicos instintos, uma estrutura mental que permitisse a contabilidade temporal das suas acções, afinal quanto demora cada trabalhador a comer, e quanto isso representa do total da jornada laboral, ao fim da vida gasta-se um terço dos nossos anos a dormir... Como se consegue gastar o tempo, se ele não existe senão na nossa cabeça...
Há, dizem, provas inequívocas que o tempo se pode desbaratar, até mesmo distorcer, tal como o espaço, e, provavelmente, estas palavras formam uma dessas provas. Não sei há quantos minutos comecei a escrever, mas sei que não há minutos que compensem os que não conseguirei gastar por não conseguir escrever mais que estas coisas sem lógica nem beleza numa manhã de nuvens, frio e o sono da vida que não sai do mesmo minuto...

Aristides Sousa Landeira

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