Da fauna tuga... #6

Para o tuga, os gestos valem mais que mil palavras, sábios e vetustos dizeres, desde tempos imemoriais propalados entre as gerações que sucessivamente habitaram as margens atlânticas mais ocidentais do velho continente onde surgiram tantos fenómenos da humanidade social, política, cultural, como a mímica, por exemplo, a mímica dos mimos de cara pintada, empurrando paredes impalpáveis, puxando cordas imaginadas, tropeçando em cagalhões que cão nenhum cagou, a mímica que alguns consideram arte e que a muitos outros provoca urticária, a mímica que não a mímica do tuga, experto em manejar sensações e ideias, em falar pelos cotovelos, antebraços e mãos, por todos os poros de um corpo contorcionista da sintaxe dialogante. Nestes bocadinhos de terra colados a cuspe de sangue e aço temperado e guerreiro de forma a formar uma coisa a que se chamasse nação portuguesa, as pessoas falam acompanhando cada sílaba por um gesto, mesmo que quase imperceptível, as pessoas abarcam as palavras em redondilhas esbracejantes de demonstração, o tuga fala com a fala e com a fala dos gestos em simultâneo. Portugal foi feito para ser uma nação de surdos-mudos, mas a quase todos foi dado igualmente o dom da voz.
Sim, o tuga adora adornar os seus discursos orais com gestos, quantas vezes ridículos, e não consegue contrariar essa disposição genética. O tuga vai sozinho no carro, dispondo da mais recente tecnologia de alta-voz, de auriculares, e mesmo assim acena e bate energicamente numa mesa que não existe para marcar claramente a sua opinião; o tuga vai pelo passeio fora, a falar ao telemóvel, e encolhe os ombros para a pessoa do outro lado conseguir ver a sua resignação; o tuga enumera as vantagens de fazer assim e não fazer assado e usa os dedos para acompanhar a ordenação das ideias, para chegar ao fim e a mão cheia ser, por si mesma, mais uma razão, nada como mostrar uma mão repleta de argumentos para convencer os mais desconfiados dos inúmeros benefícios de ser preto e não ser branco, uma mão cheia de dedos, porra!!! Portugal foi feito para ser uma nação de surdos-mudos, porque basta ver como o tuga diz quase tudo com os gestos, mesmo que não consiga desenrolar um raciocínio mais que pueril.
E o tuga convence. Hitler foi, de certeza, treinado por um tuga a discursar com aqueles gestos em acompanhamento, quais batatas fritas e arroz branco da oratória, uma dialéctica de ascensão ao poder necessariamente acompanhada de muita frescura gesticular de salada! Os alemães, no seu âmago, não queriam conquistar coisa nenhuma, não queriam guerras relampejantes nem massacrar circuncidados, não queriam espaços vitais nem apagar a eslávia do mapa. Eles queriam era que os deixassem em paz, mais as suas brincadeiras com maços de notas de marco, como se pode facilmente constatar em qualquer manual de história do nono e do décimo segundo anos da escolaridade lusa. Porém, quando um tipo com um bigodaço como aquele vem falar em altos berros e acompanha os discursos com gestos tão irresistíveis, não há povo pacifista que resista! Ponham um tipo a fazer o mesmo na Suiça, ou nos Estados Unidos, e vejam se esses países amantes do fraternal afecto inter-nações não se transformarão instantaneamente em ferozes hienas, em mortais bisontes largados em estouro pelas pradarias ora tornadas campos de batalha!
Claro, há alguns, raros, cada vez mais raros, espécimes da fauna tuga que, se não conseguem escapar à inevitabilidade da sua condição de animal gestual, tentam ao menos disfarçar a tendência de falar com as mãos, talvez por vergonha, encapotando os braços com os casacos, não os envergando como de hábito, mas sim sem os entrincheirar no pano de fazenda, ou outro tecido qualquer. E andam assim pela rua, ao jeito de manequins desmembrados, com as mangas pendentes como pirilaus sem tesão, suspensas em vaivéns ao sabor das rajadas de vento. Sim, esses tugas escondem os braços sob o refúgio de um casaco, gabardina ou sobretudo, mas ninguém me tira a ideia de que, na verdade, eles estão sempre é a preparar um enorme, gigantesco, fulgurante manguito!

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