Breves nótulas sobre uma verborreia insone #1

(palavras incoerentes escritas a cor azul no verso de uma folha em branco)

Estar vivo é o contrário de estar morto. – foi a páginas tantas do Phedon de Platão que esta afirmação apareceu pela primeira vez, colocada na voz de Sócrates, mestre do que dá nome ao livro, assim como do seu autor, e que esperava pacientemente pelo copo de cicuta que o levaria às margens do Styx! Foi, porém, pela voz de Lili Caneças que se imortalizou tal sentença nos arraiais e praças lusas, motivo de chacota, rapidamente rotulada de lapaliçada! Não é o caso! Leva-nos, outrossim, a meditar meticulosamente no seu significado, na escolha de cada palavra e de sua exacta posição.
Estar – verbo intransitivo que significa ser presente; permanecer; residir. Um verbo intransitivo, recorde-se, é aquele que, por definição, não exige complementos, pois possui significação absoluta, dispensando-os, assim, pois se basta a si mesmo para atribuir sentido a uma oração. Portanto, estar é uma noção absoluta que corresponde a ser presente; permanecer; residir. A lógica do senso comum confirma que Permanecer vivo é o contrário de permanecer morto. Mas a lógica e o raciocínio mais apurados levam a algumas chamadas...

Primeira: o permanecer vivo é, necessariamente, uma grandeza diferente do permanecer morto, visto que, uma vez nascendo, o caminho para a morte é inexorável, logo, é um estado transitório o estar vivo; pelo contrário, estar morto é um estado definitivo, excluindo, por motivos óbvios de argumentação, os casos de reanimação médica, mas depende primeiramente da condição de ter estado vivo, o que não sucede inversamente. Assim: Estar vivo é o contrário de estar morto, mas, também: Estar morto é o resultado de ter estado vivo.

Segunda: é o contrário, ou seja, a conjugação na terceira pessoa do singular do presente do indicativo de ser o contrário, ou uma pessoa neutra, neste caso, sendo que vem a dar ao mesmo. Visto que ser significa também estar, temos que: Estar vivo está no contrário de estar morto ou Estar morto está no contrário de estar vivo. Assim, estão ambas no contrário uma da outra, mas ao passo que A (estar vivo) leva a B (estar morto), B não leva a A, embora dele proceda! Da mesma forma, A não procede de B, mas leva até ele, como já referimos na nota anterior.

Terceira: Estar é, como vimos, sinónimo de Ser presente ou de Ser, pois se pode subentender que se é sempre em algum lugar, enquanto organismo, aglomerado molecular orgânico; estar morto é não ser mais essa coisa orgânica, antes transformar-se apenas em massa molecular inerte e inorgânica, não ser presente. Assim: Estar vivo é o contrário de estar morto, mas, também: Ser um ser é o contrário de ser um não ser ou Ser um ser é o contrário do não ser um ser ou ainda ser é o contrário de não ser (porque, como na matemática, + com + é = a +; e + com - é = a -).

Quarta e última: Uma questão de interpretação: podemos falar de estar sem subentender uma qualquer espécie de acção? Pensar estar como representação gramatical de uma passividade pura? Se não o conseguirmos fazer não será mais acertado dizer em ver de estar morto, ter morrido ou vir a morrer, pois assim se marca uma determinada e derradeira acção num certo ponto do tempo, mesmo que indefinido? Ironia das ironias, a derradeira acção tornar-se-ia a causa de não mais se agir! Estar morto é, neste caso, uma contradição, pois o morto, no sentido de falecido é um não agente, e estar morto implicaria a acção de não ser! Assim: Estar vivo é o contrário de estar morto passa a Estar vivo é o contrário ao depois do vir a morrer ou ter morrido, ou mais simplesmente: Estar vivo é o contrário de não estar, ou, como já dissemos por outras palavras: Estar é o contrário de não estar (não nos esqueçamos que estamos a lidar com um verbo intransitivo e que, por isso, não precisa de complementos). Excluindo novamente os + e os – que não interessam: Estar é estar! Diria mais… diria que: Ser é ser; por isso, quem é, é sendo! Mais ou menos como as duas ervilhas num canto do prato:
‑ É!
‑ Pois é!

FIM
(e sem conclusão alguma)

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