
Pequenas diferenças entre o ser humano e a restante fauna...
O ser humano advoga-se genericamente a capacidade única entre todos os animais da terra de conseguir comunicar. Genericamente, pois claro, entendendo comunicação num sentido bem definido de fala, e não no sentido lato de transmissão de informação.
Vamos por partes. Comecemos pela dita transmissão de informação pura. A forma mais básica de comunicar. Para não dizer todos os seres vivos, direi que grande parte deles comunica, de alguma forma, com os da mesma espécie a que pertencem, e inclusive com elementos de outras.
Quando um gato mia em pleno cio está a anunciar a todas as fêmeas dentro do seu território que está com vontade de procriar; quando um elefante levanta a sua tromba e emite aqueles urros tremendos, está a chamar a manada, ou a marcar posição. Isso é comunicação sonora, mas da mesma forma existe a comunicação visual, como as plumagens de pavões pomposos de pedantismo (bela aliteração, não?) que têm o mesmo efeito do miar luxurioso dos felinos de trazer por casa. Ou então a comunicação olfactiva, como os odores deixados pela maioria dos animais terrestres como marcação territorial... E até mesmo mistos, como aqueles animais que dão coices e marradas em árvores e ainda mijam em cima, portanto, toda uma panóplia de informação ao dispor de todos os que por ali passem. E depois existe ainda a comunicação com os das outras espécies... as cores berrantes, fluorescentes, de certos animais, como rãs e outros anfíbios, de cobras, de alguns insectos, avisando todos os possíveis predadores das cargas venenosas que possuem a correr nos seus corpos e que são passíveis de criar incómodas sensações em seus estômagos delicados; o abanar da cauda pelas cascavéis, ou o capelo das najas, como quem diz: Ora tenta lá chegar-te aqui que eu já te conto!. Mas até as plantas comunicam com os animais, com as suas flores, uma espécie de marketing da reprodução, uma oferta publicitária de pólen com vista à propagação da espécie.
Tudo isto não deixa de ser comunicação, a um nível primário, instintivo, tendo como objecto e objectivo questões essenciais da sobrevivência individual ou da espécie, mas ainda assim comunicação. Aí se verifica a pequena grande diferença do ser humano, na qualidade da comunicação.
O Homem comunica com intenção de comunicar, não apenas por instinto. Ele comunica porque quer, quando quer, por vezes em subliminares termos difíceis de apreender por todos. Não se limita às marcações de território, lutas pelas fêmeas e avisos aos predadores. Ele desenvolveu uma forma de comunicar altamente elaborada, de tal forma que dentro da própria espécie se torna incompreensível, pois os símbolos não são iguais para todos. O homo sapiens sapiens é provavelmente a única espécie que desenvolveu uma babel de falas retalhadas pelo mapa do mundo em divisórias acidentais de geografia. Uma rã laranja é sinal de veneno na América do Sul, e/ou também na Malásia; nein na Inglaterra é nove, mas na Alemanha é não, e a separar estes países está bem menos que um oceano Pacífico...
Da mesma forma, o Homem desenvolveu técnicas de comunicação cada vez mais complexas ao longo dos seus escassos anos de vida. Dos gestos, óbvia primeira forma de se fazer compreender, para a fala, que terá começado em grunhidos acompanhados desse mesmo gesticular, depois a arte (que é obviamente uma forma de comunicação) nas suas múltiplas vertentes: inicialmente a pintura, a música e a dança, por serem as mais acessíveis quando as tecnologias eram rudimentos de sobrevivência, logo seguidas da escultura. Aquando do advento das grandes civilizações, surgiram a arquitectura e uma outra forma de comunicar: a escrita. Curioso que o Homem tenha criado a arte antes ainda de ter criado o suporte físico da sua fala. Claro que há razões práticas para ser assim, pois a escrita surgiu de uma necessidade quotidiana, mas não deixo de achar uma ideia romântica e fabulosa que a humanidade tenha primeiro abordado o mundo em termos de subjectividade e imaginação e só depois em termos objectivos e de contabilidade fiscal! Ao longo dos milénios, a arte encontrou outros suportes, como o teatro/encenação, a fotografia, o cinema, enquanto o Homem procurava novas tecnologias para comunicar cada vez mais e melhor com mais e mais pessoas, no menor tempo possível, tentando até comunicar com o metafísico. Não vale a pena estar a enumerar fastidiosamente essas novidades que foram surgindo, pois o que interessa é a ideia da procura de comunicar mais e melhor, a ideia de um alastramento da comunicação a um nível global.
Hoje em dia, falámos de um mundo unido pela difusão de valores, de um mundo globalizado. O Homem partilha a mesma língua em toda a parte? Não! O Homem partilha crenças políticas ou religiosas? Não! O Homem partilha a prosperidade? Não! Mas mesmo assim toda a gente em toda a parte do mundo pode saber o que se passa nos seus antípodas, pois a comunicação é coisa fácil. Cada vez mais fácil, e cada vez mais instantânea.
Voltemos ao particular, ao que podemos observar no dia-a-dia. Hoje, os homens comunicam, curiosamente, da mesma forma que certos animais, isto é, conseguem por processos similares transmitir ideias, que podem não ser exactamente as mesmas, mas não deixam de andar lá perto: através das suas pelagens, as formas e cores das suas roupas, indicam o grupo social com que se identificam, ao mesmo tempo que excluem os outros que a ele não pertencem; através da forma como pavoneiam e enfeitam com atavios de prosápia estilística seus corpos, tentam ganhar vantagem no grande processo da reprodução (no fundo, a moda tornou-se uma forma de comunicar); tentam até falar com outras espécies, convencendo-as ao som de beethovens e bachs a procriar mais e mais depressa. Concluindo, após tão largo processo evolutivo, o Homem voltou a dizer exactamente o mesmo que os animais não inteligentes dizem com os seus instintivos rosnares e grasnares...
Mas há uma diferença na comunicação humana que importa referir. Como já dissemos, o Homem não partilha dentro da espécie os mesmos símbolos, o que é uma diferença para os restantes seres vivos. Como referimos também, os objectivos do Homem ao comunicar passam mormente por questões relacionadas com a sobrevivência, embora não apenas a um nível estrito, isto é, a sobrevivência da vida ou morte, nem sequer a sobrevivência da espécie, mas igualmente a sobrevivência do grupo, da empresa, de uma relação de qualquer espécie entre um número limitado de espécimes. A grandíssima variação consiste na comunicação por comunicação.
Se o objectivo geral da comunicação passou sempre por sobreviver, ou seja, se a comunicação sempre foi uma resposta às necessidades humanas (mesmo a arte pode ser assim considerada, porque não poucas vezes um artista tem necessariamente de comunicar qualquer coisa ao mundo, antes que impluda num segundo fatal), neste momento a comunicação é ou está a tornar-se, ela mesma, uma necessidade, sem mais objectivos; dito de outra forma, cada vez mais se comunica apenas para se comunicar, não com a intenção de que essa mensagem transmitida tenha utilidade. Um exemplo prático: os blogs... Para que servem estes montões de posts a dizer coisas tão essenciais como Hoje estou feliz... ou Gosto muito de ver os Morangos porque...? Em termos de sobrevivência individual: nada! Sobrevivência da espécie: nada! Sobrevivência de relações interpessoais: nada! Servem apenas para comunicar, comunicar, comunicar... Tudo e mais alguma coisa. Por que razão surgiu esta tendência? Talvez por o mundo global oferecer a cada um de nós a possibilidade de gravar em formatos avançados uma impressão digital no grande feixe hertziano das transmissões dos pensamentos humanos, porque o mundo actual deseja arduamente que todos digam qualquer coisa em formatos de redes globais de informação, que todos exprimam as suas ideias, de preferência copiadas de manuais subliminares do quotidiano, para assim se esquecerem de pensar dentro de si sobre as coisas importantes, verdadeiramente importantes, e comuniquem subsequentemente as suas conclusões em forma de revoluções!
Publicidade Institucional #2

Outras vezes, vou correr, mesmo

Claro, também há dias em que nada corre bem, e só me apetece chorar...

Mas o meu sonho era mesmo poder andar nas obras a mandar fazer isto e aquilo e a mandar piropos às miúdas!..."
Este é o José Sócrates que não acabou os estudos! Estude, promova-se, consiga um futuro melhor para si e para o país!
Alto e pára o baile!
Quer dizer, eu, por um lado, até os entendo. Reescrever a história, de acordo com premissas perfeitamente alternativas, mesmo que não sejam as mais agradáveis ao nosso próprio sentir, pensar, não deixa de ser uma ideia engraçada! Claro, não tão engraçada como a possibilidade de reformular a história e o presente, alterando verdadeiramente o que teve lugar noutras calendas, já lá para trás! Pessoalmente, seria um prazer voltar atrás e poder evitar algum dos grandes erros que a humanidade cometeu ao longo dos tempos! E, quando digo erros, não quero com isso dizer cenas chatas, tipo o que aconteceu entre 1939 e 1945, com aquela história do Hitler e mais não sei quê. Sim, para aqueles dez, quinze tipos que morreram, foi uma cena chata, porque é sempre chato um tipo levar com um balázio, morrer gaseado, ou coisa parecida, e para o pessoal do Japão que levou com um cogumelo gigante em cima, pior ainda, que isso é coisa para doer! Para lá de provocar alucinações... presumindo, claro está, que eram cogumelos mágicos. A julgar pela luz e pelo fumo e pelas ratazanas de duas cabeças que nasceram por aquelas bandas, deviam ser mesmo. Ou aquela cena da Inquisição e do Índex, mais as fogueiras e isso, para hereges, judeus (estes ao menos estão em todas!), livros e espetadas e salsichas toscanas, ao estilo savonarola, ou então picantes, que não havia pessoal para uma boa comezaina como os veneráveis dominicanos. É que, realmente, essas coisas foram chatas, como outras, muitas outras, aliás, mas era mesmo essa a ideia. Ok, talvez o bigodinhos não tivesse nos planos perder a guerra, mas ele quis a guerra, ele e outros, houve uns que sofreram, sim, senhor!, mas disso se faz a história da humanidade, de sofrimentos em variadas formas, desde autos-de-fé a tomates entalados nos fechos das calças... Ou seja, foram coisas chatas, mas aconteceram assim não devido a um erro crasso e evitável, mas apenas porque a humanidade em si é inevitavelmente dada a ser motivo da sua própria destruição, um erro qualquer de fabrico, ou então excesso de concorrência entre espécimes.
Não, o que a mim me dá ganas de mudar é toda e qualquer situação onde seja evidente um erro clamoroso, diria mesmo parvo, uma qualquer coisa que tenha sido feita sem intenção, talvez por desatenção do seu responsável, e que tenha, com isso, provocado uma perpetuação de um desequilíbrio, a inverosimilhança de um passo em falso eternamente repetido. No fundo, ser o grilo falante a alertar a consciência daqueles que, ao longo da história, inscreveram a sua marca no rol de pedra dos falhanços básicos. Estar lá, nesse momento e dizer: Ó pá, não faças isso, pá! Não juntes o sabor a kiwi e a manga no mesmo iogurte! E quem diz iogurte, diz sumo. Porque, convenhamos... ok, morango e banana, razoável; tutti--frutti, aceitável; uma ou outra combinação de frutos silvestres, nada a obstar... agora, kiwi com manga? Laranja com maça e cenoura? Melancia com ameixa e pistachio? Eu nem sei se estas existem, mas a verdade é que, a partir do momento em que se começaram a produzir mash-ups alimentares de duvidosa qualidade e pertinência, todo o mundo se alterou profundamente. Pelo menos a parte do todo onde se se pode dar ao luxo de consumir dessas coisas, claro. Era isso que eu queria evitar, que um desgraçado rapazola engolisse em meia dúzia de goles metade da roda alimentar concentrada num só pacote, garrafa, ou outro tipo qualquer de embalagem!
Eu queria ser o tipo que chegasse à beira do farsolas que se saiu com a do Santo António que já acabou, do São Pedro que se está a acabar, e faz favor, ó São João, poderia por obséquio orientar um balãozito para eu me entreter e lhe dissesse: O Santo António, dia 13 de Junho; o São Pedro, dia 29 de Junho; o São João, dia 25 de Junho... não achas que estás a contar mal a história? É que, parecendo que não, é coisa para magoar os sentimentos do pedrito dizer que o moço está acabado, mesmo antes de começar! É isso, e é uma puta de uma parvoíce, também! Um erro que só mesmo quem não tem um calendário ou está com uma bebedeira tamanha pode cometer. Só vejo uma explicação racional que justifique este caso... é que, apesar de andar a perder capacidades, o povo costuma ter razão nestas coisas dos provérbios e das cantarolices, pelo que convém ter a certeza se não será mesmo assim, e a hipótese é a de que em Portugal se dê um estranho fenómeno de distorção no tempo e espaço. Só assim é que lá vai. Curiosamente, isso também justificaria um outro pormenor estranho que saltou à vista dos meus olhos um dia destes. Ia eu no passeio, não na rua, que isso seria parvo e perigoso, e estava distraidamente a ler os números das entradas para os prédios, porque quem não tem mais que fazer distrai-se assim, não é verdade?, 1257, 1345, 1235... Alto e pára o baile! (curiosamente, frase que serviria na perfeição para a troca dos santos, pelo que as peças começam a encaixar, a fazer sentido, a desenvolver uma estrutura uniforme de puzzle completo) Então, mas como é isto? Ainda passei lá mais uma vez ou duas, em dois dias diferentes, para confirmar. Eu não costumo andar muito pelo Japão, nem por outras bandas alucinogenicizadas, mas, como um dos efeitos desses produtos é, precisamente, o esquecermo-nos de que os tomámos, mais vale ter a certeza. E eles lá estavam, os três números nessa mesmíssima ordem... ou na inversa, conforme eu andasse para um lado ou para o outro. Ok, das duas uma, ou o tipo que pôs os números nem reparou que trocou um 2 por um 3, ou não tinha mais 2 e por isso pôs um 3 que é logo a seguir e o pessoal nem nota, ou, terceira, é uma distorção do espaço que ali está, e que provoca esta confusão a quem desconhece as coisas inicialmente. Eu voto na terceira!
Só um pormenorzito me incomoda, me atravessa o pensamento, como uma espinha a uma garganta: Por que razão uma distorção desse calibre, uma distorção no tempo e no espaço, (caramba!, já viram bem o que isso é?) se vem fixar em Portugal??? Pelo que um tipo aprende nos filmes, para lá de posições estranhíssimas e impraticáveis para quem não faz ginásio 5 horas por dia, uma coisa dessa dimensão deveria era andar pelos EUA, a terra das oportunidades, não?
Quem vê caras escusa de ver nomes
(Não vamos agora versar uma recém-descoberta particularidade da língua lusa, recente para nós, claro, que tem a ver com as diferenças, ainda que ténues, entre ditados, provérbios, adágios e outros afins, pois, embora muito interessante, a classificação científica da frase manipulada não é pertinente neste caso concreto. Fica, mesmo assim, a nota de referência.)
Voltando ao tema que nos serve de mote para a verborreia, as vantagens da memória fotográfica. Como referimos na nossa expressão inicial, uma delas é a dispensa que produz em relação aos nomes, à necessidade de memorizar todos os nomes. Obviamente, isto tem valor apenas quando se está a tratar de nomes pessoais, de pessoas mesmo, não de nomes de objectos, pelas razões óbvias que ficarão implícitas seguidamente.
(Tentemos abreviar caminho e tornar o texto mais compreensível.)
A capacidade de memorizar caras, expressões pessoais, únicas e intransmissíveis e inimitáveis, situá-las num certo contexto e situação de tempo e espaço, criar uma espécie de curriculum vitae das faces humanas, conhecendo assim de onde vem e para onde poderá ir, é um dom de não pouca importância. Diríamos mesmo que, para conseguir viver numa espécie de misantropismo à ocidental, id est, para conseguirmos viver isolados dentro de uma redoma impalpável no meio da confusão globalizada do mundo dito ocidental, é um dom essencial e imprescindível, uma conditio sine qua non para tal atingir desiderato.
A memória fotográfica que permite criar um arquivo extenso de todas as personagens humanas que cruzaram seus caminhos com o nosso, apenas usando a referência facial e negligenciando a nominal, revela a sua importância em três tipos essenciais de situações que versaremos por ordem crescente de pertinência.
Primeira: quando, tendo memorizado certa cara, a) se torna aprazível recordá-la; b) se torna útil recorrer à sua descrição. Na alínea a), a vantagem da memória fotográfica é puramente pessoal, é uma vantagem que beneficia apenas e só o diálogo do eu com si mesmo, o processo imaginativo da recordação de alguém numa situação diferente. Dito de outra forma, memorizar uma cara, várias caras, serve como uma fonte inesgotável de fantasia. Podemos imaginar aquelas mesmas faces, com o seu corpo ou com outro emprestado pela nossa imaginação, num mundo só nosso, a jogar o jogo do xadrez da efabulação do real. Isto não quer dizer que essas caras sejam os rostos de fantasias libidinosas, apenas que podem ser as faces dos povos que habitam os sonhos, poupando muito trabalho ao cérebro. Quanto à alínea b), tem a ver com aquelas situações, pelas quais todos passamos, em que temos necessidade de explicar a alguém de quem queremos falar, recorrendo, então, à descrição mais ou menos pormenorizada, conforme a nossa capacidade de verbalizar imagens, da cara de tal pessoa. Não nos admiraríamos se houvesse muito quem retorquisse a tais proposições, sobretudo a estas últimas, que um nome seria mais fácil não só de decorar e dizer, como também surtiria melhor efeito. No entanto, achamos que assim não é. Primeiro, porque na maioria dos casos nenhum dos interlocutores sabe o nome da pessoa em questão; segundo, porque na maioria dos restantes casos apenas um deles o sabe. Assim, em qualquer uma das situações, o nome de nada adiantaria, ao passo que a visualização da cara, sim. Em relação à alínea a), as vantagens da imagem em relação ao nome são ainda mais duas: por um lado, podemos atribuir nós mesmos o nome que quisermos a tal cara, conformemente aos nossos gostos pessoais, não ficando condicionados pela realidade; por outro lado, poupamos a memória a mais um nome que em nada seria necessário. Até porque nestes casos se tratam, quase sempre, de caras que passam rapidamente na rua, que nos acompanham à distância de alguns lugares nos transportes públicos, que partilham connosco o espaço tabagista de um café, pelo que a mera possibilidade de vir a conhecer, de facto, o nome em causa será remota.
Segunda categoria: quando, tendo memorizado certa cara, é de todo útil essa memória para podermos escapar, em situações futuras, de novos reencontros com tal espécime humanóide. Esta é, claramente, a vantagem mais associada ao princípio misantrópico da vida, à procura da fuga de tudo quanto seja o universo humano. Sobretudo quando se trata de fugir daqueles matraqueadores de palavreado inútil, de redemoinhos de prosa capazes de provocar as mais profundas náuseas físicas. Quantas vezes não sentimos uma fúria imensa em relação a nós mesmos pelo facto de não termos mudado de passeio, ou, pelo menos, não termos tomado uma postura distraída ou pensativa, a tender para o idiota, que seja, de modo a conseguirmos escapar de uma terrível conversa com um desses seres? Quantas vezes não fizemos tudo isso, não recorremos a todos esses subterfúgios para conseguirmos manter a nossa solidão no meio da humanidade toda intacta? Não se pense que esta vantagem é despicienda. Pelo contrário, não fosse a terceira categoria, mais recorrente, logo, mais importante, e seria esta A grande vantagem de conseguir memorizar as caras das outras pessoas. Obviamente, nesta situação facilmente se depreende a reles importância que tem decorar nomes, pois se a ideia é contornar os obstáculos humanos que entremeiam as horas, então de nada importa saber seus nomes.
A terceira categoria: quando, tendo memorizado uma cara, uma dessas de pouca importância, e não tendo conseguido escapar-lhe, nos vemos a dialogar com o seu portador, blá, blá, blá… Não se tem de situar, necessariamente, esta conversa em plena rua, aliás, aí torna-se tudo muito mais fácil para uma fuga oportuna, mas em espaços reduzidos as hipóteses escoam-se, até ao ponto de não haver fuga possível. Pressupondo tal, entramos, então, numa espiral decadente de conversação, quase sempre sobre assuntos assaz impertinentes, não poucas vezes desembocando em conversas sobre o tempo, esse supra-sumo da conversa sem assunto. Os mesmos que questionaram a primeira categoria questionarão, sem dúvida, o valor desta mesma que por ora se versa – Não será, numa conversa mais ou menos longa, inevitável, necessário saber o nome do interlocutor? Não. Não, porque em qualquer conversa deste tipo se pode – e deve! – substituir subtilmente o nome da outra pessoa por pronomes. Afinal, é para isso que eles servem, para irem em vez do nome, ocupando o seu lugar na sintaxe das orações. (Pensamos mesmo que quem inventou os pronomes pessoais o fez tendo em conta não as conjugações verbais e a repetição do uso dos nomes próprios, mas esta coisa de não ligar sequer ao nome das pessoas.) Um tu serve, um você também, conforme o caso peça um ou outro, para manter uma conversa longuíssima, sem que o outro desconfie minimamente de que não sabemos o seu nome (saberá ele o nosso?) Nisso, a língua portuguesa está do nosso lado, auxiliando-nos gramaticalmente, pois por cá se dispensa o uso do nome, ou pronome, sempre que seja preciso repeti-lo uma e outra vez, ainda mais na oralidade, o que já não seria verdade, por exemplo, para a língua inglesa. Basta o verbo, com a sua conjugação de acordo com o número e a pessoa, para implicitamente enunciar o sujeito a quem nos referimos. E, acaso haja um momento em que queiramos usar o seu nome como vocativo ou aposto, também o podemos mascarar com o recurso ao verbo, ou um sonoro e coloquial pá. Portanto, a conversa decorrerá normalmente. Mas, para os que, passado este tempo todo, ainda não perceberam afinal a necessidade de decorar caras e esquecer os nomes quando estamos em tal situação, perguntamos: não se torna muito mais embaraçoso que uma cara desconhecida nos cumprimente de rompante, sem aviso, num café, tratando-nos pelo nosso nome, enquanto nós ainda pensamos afinal de onde a conhecemos, que sermos apanhados da mesma forma por uma outra cara, essa reconhecida, ainda que continuemos sem saber o seu nome? Porque, no fundo, é disso que se trata, nunca sermos apanhados completamente desprevenidos, munidos do nosso portfolio de caricaturas mentais, sabendo quando e onde certo frontispício entrou para o nosso rol de indesejados.
Quem quiser ver nomes, pois claro que os pode e deve ver, isso vai de cada um. Não mentiremos, afirmando que não sabemos nomes alguns, até porque o que aqui se trata são os casos em que o nome é coisa ínfima, não os casos em que realmente queremos sabê-lo. Mas também não mentiremos de outra forma, afirmando que é sempre importante fixar cara e respectiva nomenclatura, pois tal não é verdade. Quase nunca o é. Preferimos, por isso, guardar a memória para os nomes, e todas as outras coisas, realmente importantes, até porque isso, a memória, é das coisas que mais se vai escoando cada dia que passa…
(sem nome)
Antipirético para o mal du siècle
Palavras escritas apressadamente
Quatro versos desalinhados à la minute
Para tentar lavar tudo isso da calçada da minha alma!
Raios! Ninguém consegue dormir tranquilo com um buraco no estômago
Quanto mais ser artista!
Tiquetaquear
Não há medidas para o tempo, apenas subterfúgios de uma pressuposta inteligência que o fazem equivaler a pedaços de coisas que podem acontecer. Medir o tempo em velas que demoram a queimar, em grãos de areia que demoram a cair, em parcelas de momentos em que a luz atravessa fugidia o espaço das coisas. Não há minutos, há a suposição deles! O minuto não é tempo, é espaço percorrido em certa quantidade de momentos, é a distância entre dois tracinhos na circunferência arrastada do relógio percorrida num tique ou num taque de um pedacinho de metal. O minuto pode ser o prolongamento interminável de uma tortura, a agonia de querer adormecer e a almofada lutar feroz contra a sonolência, mas também a fugacidade de um arrepio na espinha, a sensação inebriante de um olhar ou de um beijo. E, no fim de tudo, o minuto não passou de nada...
O Homem lembrou-se, algures na memória que já não tem, de esquartejar os dias da sua vida em secções cada vez menores, de conceber um sistema para medir algo que não existe, como tentar medir a coragem que sempre lhe falta quando é necessário contrariar os seus mais básicos instintos, uma estrutura mental que permitisse a contabilidade temporal das suas acções, afinal quanto demora cada trabalhador a comer, e quanto isso representa do total da jornada laboral, ao fim da vida gasta-se um terço dos nossos anos a dormir... Como se consegue gastar o tempo, se ele não existe senão na nossa cabeça...
Há, dizem, provas inequívocas que o tempo se pode desbaratar, até mesmo distorcer, tal como o espaço, e, provavelmente, estas palavras formam uma dessas provas. Não sei há quantos minutos comecei a escrever, mas sei que não há minutos que compensem os que não conseguirei gastar por não conseguir escrever mais que estas coisas sem lógica nem beleza numa manhã de nuvens, frio e o sono da vida que não sai do mesmo minuto...
O Erro de Freud
O outro Eu que vive dentro de cada um, na subcave do consciente, aquele Eu cheio das virtudes que o quotidiano não tem, mas deseja ter, aquele Eu que escarnece do si consciente, por ser fraco perante a realidade do mundo, aquele Eu a que Freud se lembrou de chamar superego não é super coisa nenhuma. Hiper, isso sim, que super já o é o Ego que cada um dá por si a carregar diariamente.
Hiper, como um megalómano Eu, transcendente a tudo o que possa desenvolver-se na realidade física de cada pessoa, um super super. Baseia-se esta proposição fundeada em coisa alguma no facto de cada um de nós ser sempre um super-eu, nomeadamente no que diz respeito a rebaixar, a aviltar, a criticar ferozmente os outros. Espécie maravilhosa, o homo sapiens sapiens! Não olhando a defeitos endógenos, que é como quem diz popularmente: Sem olhar para o próprio umbigo!, não praticando jamais exercícios de auto-reflexão frente a um espelho de almas e carácteres, é capaz, não obstante, de lançar a outros seres da mesma espécie o tipo de considerações que, tão facilmente, tão justamente, se aplicariam a si mesmo. Algo que, mais uma vez, a sabedoria popular tão bem condensou em um outro proverbial aforismo: Falar/Dizer o roto ao nu!, diz o povão, sintetizando na sua ingenuidade vernácula mais uma verdade, para muitos, ainda assim, insondável, da natureza humana.
Passou-me esta ideia pela cabeça ainda antes de ouvir falar de uns tais de relatórios norte-americanos, dos EUA, portanto, sobre desrespeito aos direitos humanos um pouco por todo o mundo, passando, abertamente, ao lado do próprio país. No fundo, essa foi a confirmação de que não precisava para nada, mas que sempre dá o seu jeito, quanto mais não seja pela grandeza do exemplo, atestando assim a veracidade do que afirmei. O homem consciente de si mesmo é, por si só, um superego, um super-eu, individual ou colectivamente, acaba por ser a novidade que tal relatório trouxe ao meu pensamento, nomeadamente na perspectiva que tem do outro Ego ao lado, dos outros egos que com ele ocupam este planeta a que chamamos humanidade.
Passou-me esta ideia primeiramente pela cabeça, e continua passando quase diariamente, ao ouvir pessoas a falar dos defeitos de outras do cimo dos seus pedestais, dos seus altares estreitos de virtuosismos, com uma sincera expressão de superioridade mental, ética, moral, física até. Aconteceu ainda no outro dia, ao ouvir uma fêmea abraçar com vigor a ideia de uma outra concorrente na luta dos cios e dos acasalamentos ser um estrupício, poço de fealdade e assimetria corporal, olvidando, encapotando, o outro facto, o de ela própria estar infectada de tais considerandos. Lancei-lhe, num olhar de desprezo, a palavra dos supra referidos ditados, e ainda a de um outro: Quem tem telhados de vidro não atira pedras para o ar!, e ela, da mesa ao lado, viu-me, percebeu-me e calou-se.
Fosse sempre assim que os super-vilões conseguissem arruinar os superegos armados ao pingarelho que andam por aí...
(sem nome)
De não haver vida nelas nem realidade
Apenas humanidade imersa em fantasia
Selva de betão submersa pela maré do Irreal
Os brilhos reflexos nas janelas baças
E os contornos esfumados da miríade de esquinas
Formam um outro Universo de constelações e nebulosas
Onde cada personagem habita a felicidade gasosa dos sonhos
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Partilho dessa beleza sem substância num trago doce d’abismo
Da fauna tuga... #4
Logo à partida, muito se pode aprender nesses locais sobre a alimentação do tuga, espécie de apetite sobredimensionado, alarve na quantidade de comida que ingere a cada refeição, de preferência regando tudo com uma qualquer bebida alcoólica, vinho e/ou cerveja à cabeça, e dando extrema primazia a tudo o que seja carnes. Se misturadas aparentemente sem coerência e envoltas numa espécie de molho opaco, tanto melhor! O que interessa é que o bandulho (vocábulo reconhecido internacionalmente como sinónimo de papo, bucho, estômago), saia bem preenchido, a dar sinais de ruptura evidente, mesmo de quase regurgitamento, o dito estar afrontado! Claro, onde muitos estrangeiros sem olho para isto, ou os modernistas sem amor pela tradição pátria, veriam um excesso louco, um exagero injustificado, uma pessoa com olhos de ver as coisas a modinhos verá apenas o resultado da evolução. Da mesma forma que os gatos vadios acolhidos por alguém têm tendência a comer como se fosse sempre a sua última refeição, assim o tuga come para satisfazer séculos de mal-passar, de fome, de falta de comida na mesa, para afastar pela sensação de enfartamento os fantasmas do passado sofrido.
Nesses tascos percebe-se ainda como o tuga é naturalmente dotado de um sentimento anti-democrático. Basta ver como na maioria desses estabelecimentos não há essa coisa da ementa! Listas dos pratos que o cliente pode pedir? Qual quê?! Ou come prato do dia, ou se quiser escolher uma dessas coisas mais elaboradas, bem pode ir comendo pãezinhos com manteiga, que vai para cima de uma hora a esperar! Não quer? Não coma! Olha-me este! É que é mesmo assim, no tasco quem manda é o tipo que cozinha, não é o cliente! Vivemos num país repleto de nichos de despotismo, ditaduras gastronómicas apenas por 5 euros, com sopa, bebida e café incluídos. Claro, serve isto também para aferir dessa outra característica tuga, que marca a espécie há coisa de quase seiscentos anos, e que é o sentido aventureiro de partir por mares nunca antes navegados de chouriços e tripas encharcados de molhos assassinos da flora estomacal e intestinal, ou outra coisa qualquer, que o Prato do Dia é isso mesmo, uma coisa que existe por si só, que não tem mais definição. Ele é o que é, e a mais não é obrigado, até porque nunca ninguém sabe ao certo o que ele possa ser.
Por fim, esses monumentos ao lirismo, esses monumentos à estatuária, esses monumentos a toda a arte tuga que são os avisos descontraídos e sérios simultaneamente, precavendo os que gostam de pedir fiado que disso a casa não gasta! Quantas rimas ABAB em quadras azuis no fundo branco de azulejos, quantos zés povinhos de manguitos dinâmicos, quais estátuas barrocas da Basílica de S. Pedro, quantas e quantas mensagens claras de dinheiro na hora, ou vamos ter problemas! Claro, não é de admirar. O tuga foi fadado com a capacidade de profetizar problemas. Olhe-se o Velho do Restelo, essa personagem mítica, que, poderemos dizê-lo, vive um pouco dentro de cada verdadeiro tuga, e que bem avisou el-Rei que nada de bom viria daquelas aventuras. O próprio Egas Moniz se deve ter virado para o pequeno Afonso, quando ele começou com aquelas tangas de que Esta merda vai ser toda minha, um dia! E o Alentejo há-de ser nosso [da Cristandade] outra vez!, e dito: Ouça, menino Afonso, olhe que isso ainda vai dar chatice! E a sua mãe, sabe perfeitamente, detesta que o menino saia de casa e vá para muito longe! E deu chatice, pois claro. O tuga é um profeta, da desgraça, quase sempre, mas um profeta!
E come que se farta!
Dia Internacional de qualquer coisa #3

Convenhamos, milhares de portugueses, gente reconhecidamente preocupada e facilmente irritável por natureza, a voltar aos empregos, a voltar de sair dos empregos, a voltar às filas de trânsito, a voltar à rotina maçadora dos dias sem banhos de sol e mar pelas costas algarvias ou de mares mais ao sul, a voltar a tudo isso, é óbvio que dá borrada! Ainda para mais, parece que durante as férias a maioria dos tugas perde a noção de transporte público, e só ao fim de uns tempos é que se lembra que realmente Talvez não seja má ideia deixar o carro em casa! E, pior ainda, Setembro começa a trazer as chuvas, e consigo mais acidentes, que as pessoas com a chuvinha perdem o jeitinho todo para mexer na regueifa (sinónimo popular de volante, para lá de de glúteos), e disso tudo resultam mais filas! Ainda mais longas! E, no meio da fumarada, do stress, das caras de cu, a monumental buzinadela, como uma sinfonia cacofónica de gaitas e gaitinhas! Um esplendor de arte contemporânea muito pouco abordado até hoje!
Claro, eu sei perfeitamente a verdadeira razão para muitas dessas buzinadelas!

Dicionário de Biturbo #5
Desconhece-se ainda por que razão assumiu os significados de despotismo, e de exagero no uso do poder.
Fonte: Dicionário de Biturbo (não editado)
Dia Internacional de qualquer coisa #2
Claro, há que esclarecer que nisto de cortar na casaca há metodologias muito diferentes. Obviamente, homens e mulheres são opostos:
Homens: curtos e materialistas nas suas análises. Olha para aquele boi num Ferrari! ou Como é que um palhaço daqueles anda com uma top-model daquelas? Dinheiro, só pode!
Mulheres: exaustivas nas suas análises, constroem verdadeiras teias de calúnias, muitas vezes com larga dimensão psicológica e comportamental. Sabes que a Maria dos Céus andou há uns tempos a sair muito de casa? Ah, pois! Parece que ia lá para os lados de X, agora fazer o quê, nunca se sabe. Também, filha, nem sei quem pegaria naquilo, mas há gente para tudo. Mas ela a mim nunca me enganou, sempre com aquele ar de sonsa, mas eu logo percebi que aquilo tudo era para disfarçar...
Dicionário de Biturbo #4
O homem que bebe pela manhã...
Bebem, normalmente, em silêncio, essas pessoas, quase sempre homens, quase sempre de rostos desfigurados pelos dias árduos de trabalho seguidos de noites mal descansadas em aflições do dia de amanhã, quase sempre escondidos atrás de máscaras em forma de barbas por cortar, sinal inequívoco de desistência física, quase sempre de ombros caídos e braços sem vontade de terem força para aguentar as horas que ainda estão por contar.
Bebem, e os que os olham lançam-lhes muitas vezes epítetos de Ah, valente!, ou Bêbedo miserável!, conforme depreendam que aqueles corpos desgastados vão a caminho de mais uma jornada de labuta ou de mais uma espiral de embriagamento. Bebem, e os que os olham vêm-nos como uma espécie de heróis anónimos ou vilões sem malvadez, como se houvesse apenas super ou infra-homens entre aqueles que ingurgitam em disparos ávidos os seus copázios de soluções inebriantes, como se todos esses seres encostados aos balcões a cheirar a sonasol verde ou produtos de aromas amoniacais fossem dotados de uma coragem de serem corajosos ou de serem vis.
Bebem... continuam bebendo... quando os vejo, resignados, sem perspectivas que não o fundo do copo, afogados naqueles líquidos ácidos, não vejo super-homens nem super-vilões, não vejo seres bravos de coragem extrema em serem temerários ou desprezíveis, não vejo mais que homens inconscientemente conscientes da sua inaptidão para outra coisa que não a vida reles de serem humanos, homens que sem se darem conta perceberam o vazio da existência sem a inteligência para a compreenderem, da futilidade de mais um dia após mais um dia antes de mais um dia, na sucessão exógena das datas nos calendários, porque a situação humana é um nó podre que não tem jeito de se desatar.
Bebem... continuam bebendo... bebem ainda mais um copo... e eu vejo-os bebendo amargamente para conseguirem uma falsa sensação de coragem ébria de modo a enfrentar mais duas voltas do ponteiro pequeno. O acto ligeiro de levar o copo à boca não é de todo ligeiro, carrega nele, dentro daquele pedaço de vidro embaciado, o peso de um mundo que passou e que ainda vai passar, o fardo de se ser humano à deriva numa espécie de universo, coisa incompreensível e irremediável, uma força extrínseca que se desenrola em derivas oceânicas de sensações, sem tábua a que se agarre que não mais um copito para a viagem...
Acabam de beber, pagam, pegam no guarda-chuva e saem para enfrentar de olhos vidrados mais um dia frio e enevoado como outro qualquer...
À vossa!
Ciência morta-viva
Resta agora saber se os egípcios foram, ou não, atacados por sandes de delícias do mar; se a armada espanhola de 1492 era ou não composta de columbófilos; e se os povos berberes tinham ou não barba...
Dia Internacional de qualquer coisa

Hipótese 1 - "Ora deixa cá ver o que temos aqui... nhourssi@..., não! gbfiurt@..., não! accounting@..., alto! Pobre coitado! Passou a semana toda a ver números e essas porcarias! Vou mandar-lhe qualquer coisa para se divertir. Ora, sai um de Casinos, e dois de Viagra! E, já agora, um de Investimentos, que pode ser que tenha sorte!"
Eu estou certo 99,9% das vezes, e vivo mergulhado em dúvidas...

Porque, no fundo, tudo depende do detalhe que estamos a abordar, e da forma como ele se adequa à imagem criada da entidade presumivelmente responsável. A imagem mental que as pessoas costumam ter de deus é a de um tipo porreiraço, que até nos deu um planeta para esfodaçar e tudo, com muitas coisas para aproveitarmos, um ecologista que criou um espaço verde post-mortem para quem se portar bem em vida, um gajo à maneira, portanto. Quer dizer, os judeus nem por isso, eles era mais muralhas a cair, e pragas para a frente, pragas para trás, até o outro mundo que eles antevêem é uma coisa deprimente. Por outro lado, o diabo é um filho da puta sempre pronto a estragar tudo, que vive num sítio abafado, escuro e quente como tudo, mais ou menos como uma daquelas minas na Rússia onde de vez em quando morrem não sei quantos gajos, apenas que o inferno tem mais oxigénio e mais luz. E as pessoas já estão mortas. Claro. E claro que para os clássicos europeus isso não interessava nada, porque não havia cá deus e diabo, havia deuses, nem bons nem maus, deuses, porra! E outros também vêem mais ou menos assim as coisas, mas pronto, a ideia é esta… D+ e D-…
Agora pensemos…
O universo. Coisa bonita. E Grande! Muito! Bem, temos de ver que, por muito perfeccionista que fosse, deus também é um tipo ocupado, com uma agenda muito completa, cheia de afazeres inadiáveis. Ora, criar todo este universo e ainda ter cuidado com todos os pormenores, não dá! O nível de definição do universo é brutal, tanto que nem o Hubble o consegue abarcar todo, por muitos upgrades que lhe façam. Ora, é óbvio que houve coisas que lhe escaparam. Por exemplo, a Terra. É muito bonito o sistema de renovação da crosta, todo o sistema de tectónicas e mais não sei quê. É bonito haver ouro e prata e platina e urânio e coisas assim. E deus teve o cuidado de criar todas essas coisas que estão na tabela periódica (fora as sintéticas), sabendo de antemão que o pessoal curte ter de marrar quadros e esquemas nas aulas de química. Por outro lado… porquê petróleo na península arábica, se aquilo é só deserto? Água, aquela gente precisava era de água, faz favor!!! E chuva a rodos no Bangladesh, onde eles nem têm um puto de um delta de um rio puto de grande nem nada!!! A esses é que dava jeitinho petróleo, se pudesse ser, a ver se saíam da miséria.
A vida. Coisa maravilhosa. Especial. Coordenada. Os seres vivos que pululam neste planeta, e em mais não sabemos quantos, máquinas orgânicas perfeitamente adequadas a determinadas formas de viver, desempenham tacitamente funções de sobrevivência. Lindo! Repare-se, deus até se deu ao luxo de criar vida em terra, céu e água, no petróleo nem por isso, para que todo planeta estivesse habitado, criou diferentes tamanhos e feitios, criou uns em maior número, para que servissem de alimento aos que eram menos, numa escala que se costuma chamar de hierarquia alimentar, e por aí fora! Lindo! E depois surge o pepino do mar! Porquê? Uma espécie de animal que tem apenas um, UM, orifício, através do qual cumpre duas, DUAS, necessidades de sobrevivência absolutamente díspares. Respira e expele dejectos! Pelo mesmo orifício!!! E se o moço se engasga a respirar enquanto expele? Tipo acontece com a saliva às vezes quando queremos respirar e falar ao mesmo tempo? Merda para os pulmões! Altamente! E é que nem para picles serve!
O ser humano. A mais sublime criação de deus. Uma coisa que deve ter feito o próprio exclamar Está aqui um serviço que sim, senhor! O mecanismo da fala, coisa impressionante, como não sei quantos músculos se movem de forma articulada e coordenada com a respiração para permitir emitir sons, mais a capacidade da mente humana em atribuir significados a determinados sons e mais isso tudo! Por outro lado, literalmente, um erro evidente de organização do espaço, tal como muitos já apontaram! Como é que a zona de lazer e a zona de escoamento de resíduos puderam ficar tão pertinho? Sobretudo nas mulheres. A propósito… Desenganem-se: 1) os materialistas que pensavam que a primeira fala articulada de um ser humano havia sido ‘Bora lá fazer bifaces?; 2) os revolucionários que pensavam que a primeira fala articulada de um ser humano havia sido As classes detentoras de capital têm apenas como objectivo escravizar a humanidade proletária!; 3) os românticos que pensavam que a primeira fala articulada de um ser humano havia sido Amo-te!; 4) todos os outros que pensavam que a primeira fala articulada de um ser humano havia sido outra qualquer. A primeira fala articulada de um homem, e a segunda!, foram, indubitavelmente, Olha outro buraco! Deixa experimentar! Ao que se seguiram as primeiras falas articuladas de uma mulher Seu estúpido! Estás parvinho ou quê?
Parece-me bastante óbvio a forma como se processou tudo isto. Da mesma maneira que os erros nos detalhes têm causas evidentes.
Deus, acabadinho de criar o petróleo e a água, reparou que tinha marcado um jantar de negócios em Cassiopeia, pelo que tinha de se pôr a andar. Toca a pedir ao secretário, o diabo, Olha, pega aí essas peças que acabei de fazer e monta-as naquele planeta, a Terra. O rapaz, um pouco contrafeito, até porque tinha marcado ir ver a bola com os amigos, lá despachou as coisas às três pancadas, só para dizer que não tinha feito o que lhe disseram.
Deus, ao acabar a hora de expediente de criação, sai para jogar o seu squash. O diabo, ao encontrar peças ainda a sair da máquina, decide colocá-las nos respectivos locais, conforme a indicação nas etiquetas: falcão, céus; elefante, terra; pepino do mar, água… não reparando que esta última peça vem com defeito e que lhe faltam buracos.
Deus, ao acabar de criar o homem e a mulher, pensa que talvez seja melhor tirar um diazito de folga. Ao diabo ficou o encargo de acabar de montar todos os mecanismos da forma mais compacta possível…
Eu acho piada ao pensamento de que, nisto da criação, e dos seus detalhes, deus é o artífice das peças de puzzles, e o diabo, o empregado distraído que as montou, às vezes, da forma errada, e de que talvez a evolução não passe de rearranjos no puzzle final do universo.
No fundo, o diabo é mais ou menos como eu, que acabo por ter o azar de falhar 0,1% das vezes.
Claro, não que eu acredite em deus e no diabo que me carreguem. Quer-me parecer, sobretudo, é que esta coisa toda dos detalhes serem deste ou daquele é desculpa de mau pagador. Gente que fez merda e bota as culpas para os outros. Cá para mim, o tipo que se saiu com esta a primeira vez era tuga… Cheira-me…
(sem nome)
Que no meio sono desperto
Elaborara com geométrica minúcia
De ritmo e métrica e significado
Restou o sentimento doloroso
Pela morte de palavras que
Não são minhas nem do papel
Em que escrevo estas ao invés
Amaldiçoo a memória que me
Atraiçoa novamente e me esquece
O fecho conclusivo do poema
(Terei mesmo de usar um ponto final).
O Pasquim Infame investiga... #2
O Pasquim Infame foi procurar saber...
Embora a maioria das pessoas não o saiba, as perguntas, quando desaparecem da face da Terra, passam a habitar um planeta próprio, uma esfera de metal e gases que circula a centenas de milhares de quilómetros por hora nos limites exteriores da nossa galáxia, e que dá pelo nome de Quê?.
Esse corpo astral tem cerca de metade do diâmetro da Terra e é constituído por um núcleo sólido de ferro e níquel, envolto numa atmosfera altamente densa de propano, butano, metano, alamano, hermano, e outros gases hilariantes. A equipa de reportagem do Pasquim Infame (PI) foi lá esta semana e regressou com um rol de depoimentos importantes.
A vida no planeta Quê? parece ser tranquila e pacífica, pelo menos à primeira vista. As perguntas têm total liberdade de circulação e não existem fronteiras, pelo que as rivalidades não existem. Usa-se como sistema monetário o ?, equiparado ao antigo dracma, e a pobreza não parece constituir um problema.
Para os estrangeiros, sejam turistas ou delegados de negócios, não existe muita burocracia, excepto para os habitantes do planeta Hmmm..., que, por trinos na sua existência de três pontos finais, acabam por necessitar de triplos passaportes. A nossa equipa apenas necessitou de responder a uma pequena pergunta: A sua vinda a este planeta visa que objectivo em concreto, isto é, tem como desiderato uma prospecção económica ou apenas uma deambulação turística, ou pertence ainda a uma outra categoria aqui não descrita, sendo que nesse caso deverá assinalar qual? Sendo nós jornalistas em reportagem, pertencíamos à terceira opção, os outros.
Instalados num hotel deveras confortável, decidimos avançar para a rua, em busca da opinião popular, do depoimento real da pergunta real!
Pelos arruamentos largos da zona comercial, encontram-se muitos tipos característicos de artífices, especialistas em souvenirs locais. é o caso de O que acha das questões metafísicas inseridas nas obras de Platão, tendo em conta os valores sociais e éticos da Atenas Clássica e o processo socrático? (OQADQMINODPTECOVSEEDACEOPS)
PI - Então o senhor é um artífice popular.
OQADQMINODPTECOVSEEDACEOPS - Dizem que sim, mas eu prefiro pensar-me como um propalador da cultura e da tradição dos Quesenses, um sacerdote devoto do culto da história do nosso planeta, percebe?
PI - Sendo que esse não é propriamente o patamar social mais elevado, nem algo que se pareça.
OQADQMINODPTECOVSEEDACEOPS - O que acha de haver uma sociedade em que todos ocupem por igual um patamar de importância, ou seja, acha que seria possível uma vivência social absolutamente igualitária?
PI - Mas isso não me caberá a mim responder.
OQADQMINODPTECOVSEEDACEOPS - E o senhor pensa que me caberá por ventura a mim?
Seguimos caminho, por entre a zona dos bairros populares, onde encontramos uma matriarca, de seu nome Onde é que você estava no vinte e cinco de Abril? (OEQVENVECDA)
PI - Vejo que a senhora está a criar duas belas perguntas
OEQVENVECDA - Então e que idade acha que elas têm?
PI - Eu diria cerca de dois meses.
OEQVENVECDA - Achas mesmo que sim, com estas figuras de retórica e uma certa profundidade analítica?
PI - Quatro, então.
OEQVENVECDA - Você veio do planeta Terra, não veio?
PI - De facto.
OEQVENVECDA - Então e não consegue reconhecer uma pergunta com oito meses, que daqui a nada já está pronta para viajar para o seu planeta?
PI - De facto não pensei que fosse tão crescida.
Deambulámos ainda muitos dias por entre a populaça, recolhendo pequenos detalhes de informação, detalhes esses que nos permitiram descobrir a verdade sobre o planeta Quê? De facto, não é verdade que seja um mundo de paz e igualdade. Dentro da sociedade quesense existem ainda algumas fracturas, algumas perguntas ainda hoje olhadas com desconfiança, como os grupos das Emprestas-me... (Emprestas-me dez contos, que de certeza tos devolvo no fim do mês?, ou Emprestas-me aí o teu carro para eu ir tratar de um assunto, que o meu está na oficina?), o das Será que... é seguro? (Será que cortar este fio é seguro?, ou Será que esta ponte é segura?), mas sobretudo duas perguntas, que vivem como eremitas num dos pólos do planeta, Tem horas? no norte e Café? no sul.
Mais ainda, descobrimos que o planeta Quê? está em guerra com outros dois planetas próximos. O planeta das sebentas europa-américa e ainda um planeta habitado por antigas perguntas que deixaram de lado os seus ? e ficaram com . ou com !. Embora estes sejam vistos como traidores e deturpadores, a grande preocupação é com os primeiros. Está a ver o que é existir uma tal vil raça, capaz de destruir toda a nossa existência ao fornecer respostas mesmo antes de se fazerem perguntas?, ouvimos de alguns populares.
Apesar de esta não ser ainda uma espécie em vias de extinção, aconselhamos a visita ao planeta Quê? quanto antes, para mais tarde não se arrepender de não ter ido.
Classificação:
Burocracia *****
Clima ***
Paisagem ***
Hospitalidade local ****
Alojamento ****
Alimentação ****
Apoio turístico *****
Para mais informações, telefonar para Quer conhecer um mundo de interrogações? (tlf: 26548845697; fax: 26588845691) ou, para agendar já a viagem: Deseja ir para onde? (tlf: 2666668666; fax: 2666668668)
O Pasquim Infame investiga...
O Pasquim Infame, como é seu apanágio, decidiu investigar a fundo... e descobriu que, na verdade, o que está por detrás da escolha de Alcochete é o benfiquismo da maioria dos membros do governo actual. A verdadeira intenção dos responsáveis pelas rédeas deste país é impedir o Sporting de se sagrar novamente campeão... da 2.ª Circular... Aliás, basta atentar nas declarações de hoje de Paulo Bento para perceber de que modo a construção de um aeroporto em Alcochete seria prejudicial para a equipa leonina.

Pedofilia? Tudo gente boa!

Dicionário de Biturbo #3
O Mantorras de Israel

Da fauna tuga... #3
O que nos faz escrever estas carambolas de palavreado, porém, não são esses comportamentos referidos, mas o comportamento dos portugueses na estrada. Também aí somos claramente líderes em toda a linha, desde logo nos índices fantásticos de sinistralidade, de alcoolemia, de velocidade excessiva e manobras perigosas. Quais fittipaldis munidos de automóveis carcomidos, é ver os tugas a ziguezaguear nas faixas das auto-routes, acelerando quase ao dobro da velocidade permitida, tudo embebido em 1,1 grama de álcoois por litro de corrente sanguínea, proporcionando muitas vezes espectaculares acidentes com que se satisfaz a curiosidade mórbida dos outros condutores e demais utilizadores das rodovias lusas.
Não vamos, no entanto, enaltecer ainda mais esses nossos heróis, ases dos volantes; vamos, isso sim, apontar o dedo acusador a uns espécimes que, infelizmente, ainda por aí abundam, maltratando o nome do português no que às coisas das estradas diz respeito. Refiro-me, obviamente, aos peões. Num país que se quer unido, unitário, unívoco, unissexo, unietc., causa até espanto, diríamos mesmo um certo nojo, que haja ainda quem se recuse a conduzir um automóvel, ou pelo menos um motociclo, não ponhamos de parte esses veículos, preferindo gastar a sola dos sapatos em caminhadas. Meu deus, quanto dinheiro tão mal gasto em meias-solas ou solas inteiras, por teimosia e estupidez, quando poderia estar a ser utilizado para alimentar a economia da borracha, dos pneumáticos, das gasolineiras! Uma tristeza profunda nos arrasa ao lembrar, sequer, este facto… Porém, e apesar das tentativas honestas e bem intencionadas da indústria automóvel para promover o recurso aos veículos motorizados assentes em rodas, o trânsito pedonal persiste, assolando o país com seus defeitos, contribuindo, sem dúvida, para que o nosso atraso em relação a outros países se mantenha, impedindo que a marcha do progresso continue como deve, com quinta engatada e com rotação elevada.
Falemos, então, de alguns desses seres vis, esses furúnculos na virilha do passo em frente. Primeiramente, os peões que, por alguma ideia peregrina, decidem fazer o seu percurso pela faixa de rodagem, ao invés de pelos passeios que lhes são destinados (que, quanto a nós, são já um desperdício de recursos, pois assim se fariam vias mais largas, mas a haver peões que tenham ao menos um local próprio para que não venham incomodar quem acelera.) Contam-se entre esta categoria mormente idosos, grávidas e lactentes, trôpegos e deficientes, tudo gente de escassos recursos de mobilidade, não poucas vezes munida de apetrechos tais como canadianas e muletas, carrinhos de bebé e daqueles de ir às compras, andarilhos e cadeiras de rodas. Obviamente, somando a pouca disponibilidade para se moverem à dimensão física desses extras, acabam por ocupar uma larga faixa do espaço destinado aos automóveis, o que leva estes a travagens e reduções, quantas vezes paragens, desvios e manobras que enfadam quem gosta de conduzir nos circuitos citadinos um pouco por toda a parte construídos. É que, no caso de embate, deita-se as culpas não para cima dos facínoras dos ladrões de alcatrão, mas para cima dos pobres automobilistas, eles que já se viram privados do seu devido espaço e que ainda têm de arcar com as penas que, por direito e justiça, pertenceriam a outros. E, se perguntarem a qualquer um desses tratantes por que razão usa a via de rodagem (de rodas, note-se!) em vez do passeio, ainda terá a desfaçatez de dizer que os passeios são desnivelados, que são estreitos, que têm buracos, que estão pejados de cocós caninos, que assim segue mais a direito sem estar sempre a subir e a descer conforme vai passando nas intersecções. Claro que os passeios são assim, queriam que fossem as ruas a estar esburacadas, não?! Sujeitas a danificar os pneus, as suspensões, as direcções… A não ser que um peão possa, de algum modo, sofrer esse tipo de dano, então é normal que assim seja. Irritantes essas pessoas, irritantes e perigosas, já se vê! (ao ponto de o poder político lhes ceder, inclusive, ruas inteiras…)
Igualmente irritantes são aqueles peões que decidem parar defronte a uma travessia que lhes seja destinada, mas que não avançam. Ao invés, ficam ali, especados, à espera, minutos e minutos, só para terem o prazer de obrigar um condutor a deter o seu veículo, e, então sim, atravessarem para o outro lado, no ritmo mais lento que conseguirem impor aos membros inferiores. Então se for uma daquelas situações com sinais luminosos, mais se alegram suas carantonhas, ao ver que conseguiram fazer com que os outros esperem não só o tempo que eles demoram a atravessar, mas ainda mais o que demora até virar novamente para verde. Ou aqueloutros que, tendo ao lado uma paragem de autocarro, se deixam ficar, com uma cara de quem espera vez para atravessar, em frente à passadeira, até que alguém pára e eles, nesse momento que irrita sobremaneira, viram costas à rua, ou fingem-se de parvos como se não estivessem a perceber a situação. Ou aqueloutros ainda que se põem a conversar ao lado das passadeiras, sem se perceber muito bem se vão atravessá-la enquanto falam, se vão falar até atravessar. Porque nestes reside também uma fonte de grande perigo. Na sua inconstância mental, muitas vezes decidem parar as conversas repentinamente e, sem mais, lançarem-se para cima do zebrado, pensando que o mero facto de estarem ali perto lhes dá direito de obrigar alguém a uma travagem brusca. São como aqueles peões que, de cu para a estrada, de repente se viram e a atravessam, sem sequer olhar para lado nenhum. Ou como aqueles que se lembram de atravessar em qualquer lado, mesmo sem riscas brancas nem nada, porque sim, escudados na protecção do peão consignada na lei, olvidando, ou fazendo por olvidar, que a lei também obriga o recurso à passadeira caso haja alguma minimamente perto; com os escassos neurónios a gritar – A vida do peão é sagrada!, mas esquecendo que a velocidade também! Raios para eles! Havia de ser obrigatório esperar que os carros passassem e só depois atravessar; ou então que todas as travessias fossem desniveladas, por cima ou por baixo da estrada, isso já é indiferente.
Há, por fim, os peões que se lembram de deixar de o ser. Convém, no entanto, diferenciar entre dois tipos de gente desta. Há os peões que decidem aprender a conduzir automóveis, e isso torna-os louváveis, mas, simultaneamente, coloca-os nas mãos desses monstros que são os instrutores de condução. Alguém diga a esses fulanos para ensinar aos alunos a função do pedal da direita, ou a ideia de haver cinco velocidades (ou mais) e outras coisas afins. Como eles não os deixam conduzir acima de 30/40 km/h, nem engatar a 4.ª, quanto mais a 5.ª, originam demoníacos condicionamentos ao normal desenrolar do tráfego, provocando crises de stress nos pobres coitados que atrás deles seguem, e a subsequente sinfonia de buzinadelas e linhas contínuas transpostas. Ver à distância um automóvel ataviado com uma placa azul de fundo e com a letra L a branco é chatice pela certa, sobretudo se não houver forma de atalhar caminho por outro itinerário. Gente que já tem carta de condução deveria respeitar os outros. Há, depois, os que, decidindo deixar o pedonato, optam não por comprar um automóvel a sério, mas um daqueles veículos risíveis para os quais é apenas necessário possuir carta de ciclomotores. Vamos lá ver as coisas em modos de ver… Se é para comprar um ciclomotor, que seja uma Famel Zundapp, uma Casal, ou outra qualquer marca, mas uma coisa que, não primando pela velocidade, também não obsta a que se ultrapasse facilmente. Se é para comprar um quadriciclo, então que se compre um automóvel a sério para poder andar a sério, não uma coisa para atafulhar as estradas de lentidão. Claro que há quem, possuindo um veículo categoria B, ande na estrada como se fosse num desses quadricicloquaisquercoisas, mas esses são, na realidade, condutores com alma de peão, gente a extinguir o mais breve possível.
Terminamos com um apelo, uma chamada à consciência de todos, para que deixem esses vícios bípedes e se rendam ao verdadeiro espírito moderno da aceleração e da guinada abrupta. Tout avant, mes amis, tout avant!!!
Dicionário de Biturbo #2
"... a talho de foice e martelo" (arc.) - expressão antigamente usada para referir qualquer estabelecimento em que fosse necessário utilizar senhas de racionamento e em que fosse costumeiro haver falta [reparem, por um lado haver, por outro falta, é destes preciosismos que a língua portuguesa é feita, e por causa deles é que a estrangeirada tão dificilmente atina com ela!] de víveres ou outro tipo de mercadoria!
Fonte: Dicionário de Biturbo (não editado)
Adenda ao Sermão da Montanha
Em que ficamos?
Ora o povo, que costuma ter razão, acha que Os cornos são sempre os últimos a saber!
Onde, em que época, se terá dado esta descontinuidade de conhecimento?
Porque sim!
A caminho de Siracusa disse Pitágoras para os seus netos:
- O quadrado da hipotusa é igual à soma do quadrado dos cateteres!
Quem achou este trocadilho...
a) Demasiadamente elaborado - ligue 1
b) Demasiadamente simples - ligue 2
c) Demasiadamente sugestivo visualmente - ligue 3
Se não achou nada disso e quer ter mais informações, digite *#* e vá prò .|. que isto aqui não é o centro de apoio ao cliente EDP!!!
- Tou? Fala da EDP? O meu carro não liga, c*"%#2#! A p+»! da bateria está sem corrente!
- Pois, mas isto aqui é da churrasqueira Bota na Brasa!
- Ah, então pode ser um franguinho, com piri-piri!
Crise? Qual crise?
A taxa de obesidade em Portugal situa-se, neste momento, em cerca de 14% da população, ou seja, 1,5 milhões de pessoas, grosso modo... Sendo que no caso dos adolescentes a taxa sobe exponencialmente para mais de 30%! Enquanto muitos vêem nisto um problema de saúde pública, uma epidemia dos países desenvolvidos, eu vejo uma excelente oportunidade para a indústria têxtil sair da crise em que mergulhou há muito tempo...
Era a porta de trás, se pudesse ser...

um táxi ou a carreira e pronto, muito prazer e até sempre!Até porque andar de transportes rodoviários públicos e colectivos, vulgo autocarros, isso sim, isso pode tornar-se uma coisa bem mais perigosa que aquilo que um tipo está à espera! Quem não tem veículo próprio sujeita-se a botar os penantes na estrada, ou, caso tenha realmente necessidade de andar muitos quilómetros, esticar o braço e fazer sinal para o autocarro parar. E, a partir desse momento fatídico, tudo pode acontecer, a lista de coisas terríveis a que um gajo se sujeita é interminável! Logo à partida, pode dar-se o desagradabilíssimo caso de entrarmos num veículo cuja lotação esteja esgotada, no que diz respeito a lugares sentados, sendo por isso obrigados a percorrer todo o caminho em pé, sempre à espreita de um lugar que vague e controlando os velhos para que eles não mitrem o espaço a que temos direito. Pior ainda quando, para lá dos bancos, também o espaço de quem vai na vertical está quase todo ocupado! É o drama de conseguir chegar a uma barra ou um varão a que a gente se agarre, sem com isso ter de tocar no cabelo seboso dum tipo qualquer; o drama de ir fazendo e desfazendo curvas enquanto se dá e leva encontrões dos outros, o drama de um autocarro a cheirar a suor estival, ou com níveis quase negativos de oxigénio no inverno… Claro que um lugar sentado minimiza muita coisa, muito do desconforto causado por todos estes pressupostos, mas não garante uma viagem digna, muito menos tranquila. Ainda estamos sujeitos a muita merda! Uma peixeira com aquele cheirinho bom a escama a apodrecer ao sol do meio-dia que bote a canastra mesmo à nossa beirinha; uma vetusta matrona que decida alapar seu real cagueiro ao nosso lado, sendo que isso significa, na verdade, sentar-se no lugar dela e em metade do nosso; um tipo qualquer com cara de batráquio e hálito de equídeo que se sente ao nosso lado, teimando em tossir e bocejar sem tapar a boca, ou tapando, mas fazendo a expiração vir teimosamente na nossa direcção… É tanta coisa que um tipo até fica angustiado só de pensar… Claro, tesudas, ‘tá quieto! Essas ou vão de pé ou sentam-se noutras bandas, nunca se arriscam a sentar-se ao lado de um tipo que começa a largar um fiozinho de baba mal elas se aproximam. E, cúmulo dos cúmulos, a estupidez atroz e saloia com que somos brindados quase todas as viagens em doses alarves! Ainda outro dia, ia eu tentando esquecer o emplastro sentado ao meu lado, dei por mim a abanar todo, as ideias a saltarem dentro da caixa craniana como pevides de abóbora, o que pode ser muito perigoso quando se vai concentrado a pensar no rabo da Jessica Alba, as pessoas a dar cambalhotas em pleno veículo, a travagem e a guinada bruscas, os desaforos instantâneos, o idiota do ciclista que se tinha atravessado à frente sem aviso, Seu desgraçado não sabes o que andas a fazer?, apenas uma pessoa exigia que em tal situação se continuasse sem abrandar sequer, quanto mais manobrar perigosamente daquela forma, Ah, mas você é doida?! Pelas barbas de Darwin! Então mas o Charles perdeu toda a diversão da época vitoriana à procura das leis da natureza, até chegar a essa coisa belíssima da sobrevivência do mais apto, e, agora, já se quer impedir que a evolução siga o seu rumo? Claro que nestes casos o motorista deve seguir sempre em frente, se o ciclista realmente é forte e apto, conseguirá escapar ileso; se não escapar, ao menos sobrevive com umas feriditas, quanto muito umas fracturas; se ficar numa cadeira de rodas, adaptar-se-á; se morrer, não fazia cá falta nenhuma! Alguém que não resiste ao atropelamento maciço e imprevisto de um autocarro não merece andar a consumir oxigénio!
Ao menos o pessoal das forças armadas sabe ao que anda, e sabe que o seu oxigénio, em caso de escapar ao ataque suicida de mais um piqueniqueiro, é bem merecido. Eu, assim a modos de ver, até acho que nos faz bem, à humanidade, termos assim umas guerras, que sempre dá para ver afinal de que massa genética se deverão construir as gerações de amanhã. Agora, andar todos os dias de autocarro e ter de levar com aquela gente esquisita, isso é que não! Prefiro emigrar para Kandahar… Ó chefe, era a porta de trás, ó faz favor!
